Poemas sobre Sempre de Almada Negreiros

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Poemas de sempre de Almada Negreiros. Leia este e outros poemas de Almada Negreiros em Poetris.

Primavera

O sol vae esmolando os campos com bĂ´dos de oiro.

A pastorinha aquecida vae de corrida a mendigar a sombra do chorĂŁo corcunda, poeta romantico que tem paixĂŁo p’la fonte.

Espreita os campos, e os campos despovoados dão-lhe licença para ficar núa. Que leves arrepios ao refrescar-se nas aguas! Depois foi de vez, meteu-se no tanque e foi espojar-se na relva, a seccar-se ao sol. Mas o vento que vinha de lá das Azenhas-do-Mar, trazia peccados
comsigo. Sentiu desejos de dar um beijo no filho do Senhor Morgado. E lembrou-se logo do beijo da horta no dia da feira. Fechou os olhos a cegar-se do mau pensamento, mas foi lembrar-se do
proprio Senhor Morgado á meia noite ao entrar na adega. Abanou a fronte para lhe fugir o peccado, mas foi dar comsigo na sachristia a deixar o Senhor Prior beijar-lhe a mĂŁo, e depois a testa… porque Deus Ă© bom e perdĂ´a tudo… e depois as faces e depois a bocca e depois… fugiu… NĂŁo devia ter fugido… E agora o moleiro, lá no arraial, bailando com ella e sem querer, coitado, foi ter ao moinho ainda a bailar com ella. E lembra-se ainda –

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Ruinas

Pandeiros rôtos e côxas táças de crystal aos pés da muralha.

Heras como Romeus, Julietas as ameias. E o vento toca, em bandolins distantes, surdinas finas de princezas mortas.

Poeiras adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mĂŁos esguias e de cabelleiras embranquecidas.

Aquellas ameias cingiram uma noite peccados sem fim; e ainda guardam os segredos dos mudos beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas as noites rĂ©za a chorar: Era uma vez em tempo antigo um castello de nobres naquelle lugar… E a lua, a contar, pára um instante – tem mĂŞdo do frio dos subterraneos.

Ouvem-se na sala que já nem existe, compassos de danças e rizinhos de sêdas.

Aquellas ruinas sĂŁo o tumulo sagrado de um beijo adormecido – cartas lacradas com ligas azues de fechos de oiro e armas reais e lizes.

Pobres velhinhas da cĂ´r do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar…

Noites de insonia com as galés no mar e a alma nas galés.

Archeiros amordaçados na noite em que o cĂ´che era de volta ao palacio pela tapada d’El-rei. Grande caçada na floresta–galgos brancos e Amazonas negras.

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