Citação de

Primavera

O sol vae esmolando os campos com bĂŽdos de oiro.

A pastorinha aquecida vae de corrida a mendigar a sombra do chorĂŁo corcunda, poeta romantico que tem paixĂŁo p’la fonte.

Espreita os campos, e os campos despovoados dĂŁo-lhe licença para ficar nĂșa. Que leves arrepios ao refrescar-se nas aguas! Depois foi de vez, meteu-se no tanque e foi espojar-se na relva, a seccar-se ao sol. Mas o vento que vinha de lĂĄ das Azenhas-do-Mar, trazia peccados
comsigo. Sentiu desejos de dar um beijo no filho do Senhor Morgado. E lembrou-se logo do beijo da horta no dia da feira. Fechou os olhos a cegar-se do mau pensamento, mas foi lembrar-se do
proprio Senhor Morgado ĂĄ meia noite ao entrar na adega. Abanou a fronte para lhe fugir o peccado, mas foi dar comsigo na sachristia a deixar o Senhor Prior beijar-lhe a mĂŁo, e depois a testa… porque Deus Ă© bom e perdĂŽa tudo… e depois as faces e depois a bocca e depois… fugiu… NĂŁo devia ter fugido… E agora o moleiro, lĂĄ no arraial, bailando com ella e sem querer, coitado, foi ter ao moinho ainda a bailar com ella. E lembra-se ainda – sentada na grande arca,
e mĂŁos alheias a desapertarem-lhe as ligas e o corpĂȘte, emquanto ouve a historia triste do moinho com cincoenta malfeitores… Quer lembrar-se mais, que seja peccado! quer mais recordaçÔes do moinho, mas nĂŁo encontra mais.

Ah! e o boieiro quando, a guiar a junta, topou com ella e lhe perguntou se vira por acaso uma borboleta branca a voar a muito, uma borboleta muito bonita! Que não, que não tinha visto; mas o boieiro desconfiado foi procurando sempre, e até mesmo por debaixo dos vestidos.

Como desejava poder ir com todos!

NĂŁo sabe o que sente dentro de si que a importuna de bem estar.

Teria a borbolĂȘta branca fugido para dentro d’ella?