Poemas sobre Sempre de Fernando Pessoa

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Poemas de sempre de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Esta Espécie de Loucura

Esta espécie de loucura
Que Ă© pouco chamar talento
E que brilha em mim, na escura
ConfusĂŁo do pensamento,

NĂŁo me traz felicidade;
Porque, enfim, sempre haverĂĄ
Sol ou sombra na cidade.
Mas em mim nĂŁo sei o que hĂĄ

JĂĄ nĂŁo me importo

JĂĄ nĂŁo me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento Ă© ali estar.

Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lĂĄ ou ainda irei

Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,

Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,

Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que Ă© sem ar
De olhar a valer.

E sĂł me nĂŁo cansa
O que a brisa me traz
De sĂșbita mudança
No que nada me faz.

De Quem Ă© o Olhar

De quem Ă© o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
NĂŁo os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo ?

Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim prĂłprio mesmo
Em alma mal existo,

Toma um outro sentido
Em mim o Universo —
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.

Se acenderem as velas
E nĂŁo houver apenas
A vaga luz de fora —
NĂŁo sei que candeeiro
Aceso onde na rua —
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que Ă© minha vida agora!

Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido Ă© nulo
E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.

Mensagem – Mar PortuguĂȘs

MAR PORTUGUÊS

Possessio Maris

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, jĂĄ nĂŁo separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguĂȘs.
Do mar e nĂłs em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em ĂĄrvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, hĂĄ aves,

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Natal

Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a CiĂȘncia a inĂștil gleba lavra.
Louca, a FĂ© vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus Ă© sĂł uma palavra.
NĂŁo procures nem creias: tudo Ă© oculto.

Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.

TĂȘnue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saĂșde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razĂŁo.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.

InĂștil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!

Olhando o mar, sonho sem ter de quĂȘ

Olhando o mar, sonho sem ter de quĂȘ.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vĂȘ.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As ĂĄrvores longĂ­nquas da floresta
Parecem, por longĂ­nquas, ‘star em festa.
Quanto acontece porque se nĂŁo vĂȘ!
Mas do que hĂĄ pouco ou nĂŁo hĂĄ o mesmo resta.

Se tive amores? JĂĄ nĂŁo sei se os tive.
Quem ontem fui jĂĄ hoje em mim nĂŁo vive.
Bebe, que tudo Ă© lĂ­quido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.

Colhes rosas? Que colhes, se hĂŁo-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque nĂŁo colhĂȘ-las
Se te agrada e tudo Ă© deixar de o haver?

Chove ? Nenhuma Chuva Cai…

Chove? Nenhuma chuva cai…
EntĂŁo onde Ă© que eu sinto um dia
Em que ruĂ­do da chuva atrai
A minha inĂștil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e nĂŁo posso,
Ó cĂ©u azul, chamar-te meu…

E o escuro ruĂ­do da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser Ă© a invisĂ­vel curva
Traçada pelo som do vento…

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro… E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
HĂĄ sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim…

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…

No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em Ăłdio Ă  Ăąnsia
PÔe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,

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