Pai, Dizem-me que Ainda Te Chamo

Pai, dizem-me que ainda te chamo, Ă s vezes, durante
o sono – a ausĂŞncia nĂŁo te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um territĂłrio suspenso de toda a dor,
um paĂ­s de verĂŁo aonde nĂŁo chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aí

nos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruĂ­do que envenene as palavras: pai, pai. Contam-me

depois que Ă© deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. NĂŁo sabem

que o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome – porque a memĂłria Ă© uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.