Procuro-te
Procuro a ternura sĂşbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.Oh, a carĂcia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.Procuro-te: fruto ou nuvem ou mĂşsica.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dĂłceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas nĂŁo quando se ama,
nĂŁo quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidĂŁo,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar Ă© devassado pelas estrelas.
Poemas sobre Terra de Eugénio de Andrade
6 resultadosSobre a Palavra
Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelheceSobre a palavra
a noite aproxima-se da chamaAssim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cinturaNa porosa fronteira do silĂŞncio
a mĂŁo ilumina a terra inacabadaInterminavelmente
Nocturno a Duas Vozes
— Que posso eu fazer
senĂŁo beber-te os olhos
enquanto a noite
não cessa de crescer?— Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação.— Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciará a morte;
a morte
vem sempre doutra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.— Não é de medo
que tremem os meus lábios,
tremo por um fruto de lume
e solidĂŁo
que Ă© todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que meus dedos tĂŞm
para colher na noite.— Vê como brilha
a estrela da manhĂŁ,
como a terra
Ă© sĂł um cheiro de eucaliptos,
e um rumor de água
vem no vento.— Tu és a água, a terra, o vento,
a estrela da manhã és tu ainda.— Cala-te, as palavras doem.
Como dĂłi um barco,
como dói um pássaro
ferido
no limiar do dia.
Desde a Aurora
Como um sol de polpa escura
para levar Ă boca,
eis as mĂŁos:
procuram-te desde o chĂŁo,entre os veios do sono
e da memĂłria procuram-te:
Ă vertigem do ar
abrem as portas:vai entrar o vento ou o violento
aroma de uma candeia,
e subitamente a ferida
recomeça a sangrar:é tempo de colher: a noite
iluminou-se bago a bago: vais surgir
para beber de um trago
como um grito contra o muro.Sou eu, desde a aurora,
eu — a terra — que te procuro.
Coração Habitado
Aqui estĂŁo as mĂŁos.
SĂŁo os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mĂŁos do mundo.Alguns pensam que sĂŁo as mĂŁos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.NĂŁo lhes toquem: sĂŁo amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
SĂŁo o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Coroava-te de Rosas
Se pudesse, coroava-te de rosas
neste dia —
de rosas brancas e de folhas verdes,
tĂŁo jovens como tu, minha alegria.Terra onde os versos vĂŁo abrindo,
meu coração, não tem rosas para dar;
olhos meus, onde as águas vão subindo,
cerrai-vos, deixai de chorar.