Sonetos sobre Acidente

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Sonetos de acidente escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Lembranças, que lembrais meu bem passado

Lembranças, que lembrais meu bem passado,
Pera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
NĂŁo me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo está ordenado
Viver, como se vĂŞ, tĂŁo descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dĂŞ a morte fim a meu cuidado.

Que muito melhor Ă© perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.

Assim que nada perde quem perdida
A esperança traz de sua glória,
Se esta vida há-de ser sempre em tormento.

Transforma-se o Amador na Cousa Amada

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
NĂŁo tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois com ele tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que como o acidente em seu sujeito,
Assim co’a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

Quem aos Olhos Dar-me-á uma Vertente

Quem aos olhos dar-me-á uma vertente
de lágrimas, que manem noite e dia?
Ao menos a alma, enfim, respiraria,
chorando, ora o passado, ora o presente.

Quem me dará, longe de toda gente,
suspiros, que me valham na agonia
já longa, que o afã tanto encobria?
Sucedeu-me depois tanto acidente!

Quem me dará palavras com que iguale
tanto agravo que amor já me tem feito,
pois que tĂŁo pouco o sofrimento vale?

Ah! quem ao meio me abra este meu peito,
onde jaz tanto mal, por que se exale
tamanha coita minha e meu despeito?

Czardas Para Serrotes Com Arcos De Violino E Berimbau De Lata

Esta anábase é de hora aberta desnudada
tĂŁo desmedida como foi a minha vida
de nada me arrependo apenas me perdĂ´o
por que meu vĂ´o nem sequer se iniciou

E dessas nuvens que me espaçam esgarçadas
trapos e cordas dissonantes dessa lira
sĂŁo acidentes de percurso em que recorro
como um ZenĂŁo o parafuso desse vĂ´o

Assim nessa colméia em ziper me percorro
como um zangão no zigue-zague nos hexágonos
ando Ă  procura de uma abelha desvairada

que me acompanhe na aventura pelos pântanos
exorcizando a desrazão desses escorços
essa nĂŁo-ave desgarrada do meu nada

Eu Cantarei De Amor TĂŁo Docemente

Eu cantarei de amor tĂŁo docemente,
por uns termos em si tĂŁo concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.

Soneto XXIX

Que mal Ă© este meu tĂŁo diferente?
NĂŁo Ă© dos males grandes natureza
Ou se acabarem logo sem firmeza,
Ou acabarem logo a quem os sente?

Seu natural custume nĂŁo consente
Minha ventura, pois minha fraqueza
Como dura: do mal tem fortaleza
Por mais tempo sentir meu acidente.

Sou qual FĂ©nix que morre e ressuscita,
Ou como Prometeu que lá se queixa,
E por sentir mais dor se nĂŁo consume.

NĂŁo dizem que o costume e tempo incita
A não sentir-se a dor: té nisto deixa
O tempo, e o custume, seu custume.

Quando Cuido No Tempo Que, Contente

Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vĂŞ por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente.

Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quĂŁo distante de vĂłs mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar tambĂ©m me ausente.

Já foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo);

Agora, em tanto mal nĂŁo mo assegura
a prĂłpria fantasia e nojo vosso:
eu nĂŁo posso entender este segredo!