Sonetos sobre Amor de Luís de CamÔes

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Sonetos de amor de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

O Céu, A Terra, O Vento Sossegado

O cĂ©u, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silĂȘncio repousado…

O pescador AĂłnio, que, deitado
onde co vento a ĂĄgua se meneia,
chorando, o nome amado em vĂŁo nomeia,
que nĂŁo pode ser mais que nomeado:

Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tĂŁo cedo
me fizestes Ă  morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Se as Penas com que Amor TĂŁo Mal me Trata

Se as penas com que Amor tĂŁo mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;

E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhĂȘ-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;

Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva jå sua mudança.

Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.

Não Pode Tirar-me as Esperanças

Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirarĂĄ o que eu nĂŁo tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas conquanto nĂŁo pode haver desgosto
Onde esperança falta, lå me esconde
Amor um mal, que mata e nĂŁo se vĂȘ.

Que dias hĂĄ que na alma me tem posto
Um nĂŁo sei quĂȘ, que nasce nĂŁo sei onde;
Vem nĂŁo sei como; e dĂłi nĂŁo sei porquĂȘ.

VĂłs SĂł Convosco mesma Andai de Amores

Porque quereis, Senhora, que ofereça
A vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que eu mereço,
Bem por nascer estå quem vos mereça.

Entendei que por muito que vos peça,
Poderei merecer quanto vos peço;
Pois não consente Amor que em baixo preço
Tão alto pensamento se conheça.

Assim que a paga igual de minhas dores
Com nada se restaura, mas deveis-ma
Por ser capaz de tantos desfavores.

E se o valor de vossos amadores
Houver de ser igual convosco mesma,
VĂłs sĂł convosco mesma andai de amores.

Por Cima Destas Águas, Forte E Firme

Por cima destas ĂĄguas, forte e firme,
irei por onde as sortes ordenaram,
pois, por cima de quantas me choraram
aqueles claros olhos, pude vir me.

JĂĄ chegado era o fim de despedir me,
jĂĄ mil impedimentos se acabaram,
quando rios de amor se atravessaram
a me impedir o passo de partir me.

Passei os eu com Ăąnimo obstinado,
com que a morte forçada e gloriosa
faz o vencido jĂĄ desesperado.

Em que figura, ou gesto desusado,
pode jĂĄ fazer medo a morte irosa,
a quem tem a seus pés rendido e atado?

Fiou Se O Coração, De Muito Isento

Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tĂŁo ilĂ­cito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.

Mas os olhos pintaram tĂŁo a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razĂŁo, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.

Ó Hipólito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que nĂŁo sabia ter nenhum respeito:

em mim vingou o amor teu casto peito;
mas estĂĄ desse agravo tĂŁo vingado,
que se arrepende jĂĄ do que tem feito.

Qual tem a borboleta por costume

Qual tem a borboleta por costume,
Que, enlevada na luz da acesa vela,
Dando vai voltas mil, até que nela
Se queima agora, agore se consume,

Tal eu correndo vou ao vivo lume
Desses olhos gentis, AĂłnia bela;
E abraso-me por mais que com cautela
Livrar-me a parte racional presume.

Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente;

Porém, não quer Amor que lhe resista,
Nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
Qual em glĂłria maior, estĂĄ contente.

Tomava Daliana Por Vingança

Tomava Daliana por vingança
da culpa do pastor que tanto amava,
casar com Gil vaqueiro; e em si vingava
o erro alheio e pérfida esquivança.

A discrição segura, a confiança,
as rosas que seu rosto debuxava,
o descontentamento lhas secava,
que tudo muda ĂŒa ĂĄspera mudança.

Gentil planta disposta em seca terra,
lindo fruito de dura mĂŁo colhido,
lembranças d’outro amor, e fĂ© perjura,

tornaram verde prado em dura serra;
interesse enganoso, amor fingido,
fizeram desditosa a fermosura.

Bem Sei, Amor, que Ă© Certo o que Receio

Bem sei, Amor, que Ă© certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.

A mĂŁo tenho metida no meu seio,
E nĂŁo vejo os meus danos Ă s escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.

Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?

Quando, Senhora, Quis Amor Que Amasse

Quando, Senhora, quis Amor que amasse
essa grã perfeição e gentileza,
logo deu por sentença que a crueza
em vosso peito amor acrescentasse.

Determinou que nada me apartasse,
nem desfavor cruel, nem aspereza;
mas que em minha rarĂ­ssima firmeza
vossa isenção cruel se executasse.

E, pois tendes aqui oferecida e
sta alma vossa a vosso sacrifĂ­cio,
acabai de fartar vossa vontade.

NĂŁo lhe alargueis, Senhora, mais a vida;
acabarĂĄ morrendo em seu oficio,
sua fé defendendo e lealdade.

NĂŁo Canse o Cego Amor de me Guiar

Pois meus olhos nĂŁo cansam de chorar
Tristezas nĂŁo cansadas de cansar-me;
Pois nĂŁo se abranda o fogo em que abrasar-me
PĂŽde quem eu jamais pude abrandar;

NĂŁo canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lĂĄ possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me nĂŁo deixar.

E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, ĂĄguas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mĂĄgoas podem curar mĂĄgoas.

Nunca em amor danou o atrevimento

Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.

Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe Ă© guia;
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São u~as ilusÔes que leva o vento.

Abrir-se devem passos Ă  ventura;
Sem si próprio ninguém serå ditoso;
Os princĂ­pios somente a Sorte os move.

Atrever-se Ă© valor e nĂŁo loucura;
PerderĂĄ por cobarde o venturoso
Que vos vĂȘ, se os temores nĂŁo remove.

Se Agora nĂŁo Quereis quem vos Ama

EstĂĄ-se a Primavera trasladando
Em vossa vista deleitosa e honesta;
Nas belas faces, e na boca e testa,
Cecéns, rosas, e cravos debuxando.

De sorte, vosso gesto matizando,
Natura quanto pode manifesta,
Que o monte, o campo, o rio, e a floresta,
Se estĂŁo de vĂłs, Senhora, namorando.

Se agora nĂŁo quereis que quem vos ama
Possa colher o fruto destas flores,
Perderão toda a graça os vossos olhos.

Porque pouco aproveita, linda Dama,
Que semeasse o Amor em vĂłs amores,
Se vossa condição produz abrolhos.

Quando Se Vir Com Água O Fogo Arder

Quando se vir com ĂĄgua o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os Céus prevalecer;

o Amor por razĂŁo mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
entĂŁo a poderei deixar de ver.

Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro estĂĄ nĂŁo ver-se),
nĂŁo se espere de mim deixar de ver-vos.

Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para nĂŁo deixar nunca de querer-vos.

Quanto Mais me Paga, Mais me Deve

Passo por meus trabalhos tĂŁo isento
De sentimento grande nem pequeno,
Que sĂł por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.

Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c’o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque nĂŁo mo consente o sofrimento.

Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.

Mas se me vĂȘ co’os males tĂŁo contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.

VĂłs Que, D’olhos Suaves E Serenos

VĂłs que, d’olhos suaves e serenos,
com justa causa a vida cativais,
e que os outros cuidados condenais
por indevidos, baixos e pequenos;

se ainda do Amor domésticos venenos
nunca provastes, quero que saibais
que Ă© tanto mais o amor despois que amais,
quanto sĂŁo mais as causas de ser menos.

E não cuide ninguém que algum defeito,
quando na cousa amada s’apresenta,
possa deminuir o amor perfeito;

antes o dobra mais; e se atormenta,
pouco e pouco o desculpa o brando peito;
que Amor com seus contrairos s’acrescenta.

Seguia Aquele Fogo, Que O Guiava

Seguia aquele fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
as forças lhe faltavam jå e o alento,
Amor lhas refazia e renovava.

Despois que viu que a alma lhe faltava,
nĂŁo esmorece; mas, no pensamento,
(que a lĂ­ngua jĂĄ nĂŁo pode) seu intento
ao mar que lho cumprisse, encomendava.

Ó mar (dezia o moço só consigo),
jå te não peço a vida; só queria
que a de Hero me salves; nĂŁo me veja…

Este meu corpo morto, lĂĄ o desvia
daquela torre. SĂȘ me nisto amigo,
pois no meu maior bem me houveste enveja!

Quando Eu Via o Triste Fim que Davam os Meus Amores

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que pÔe termo à sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta pela praia inabitada.

Deseja lograr vida prolongada,
E dela estĂĄ chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto jĂĄ no extremo fio,

Com mais suave acento de harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fe y el amor mio.

Que Levas, Cruel Morte?- Um Claro Dia.

Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.
– A que horas o tomaste?- Amanhecendo.
– Entendes o que levas?- NĂŁo o entendo.
– Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.

Seu corpo quem o goza?- A terra fria.
– Como ficou sua luz?- Anoitecendo.
– LusitĂąnia que diz?- Fica dizendo:
Enfim, nĂŁo mereci Dona Maria.

Mataste quem a viu?- JĂĄ morto estava.
– Que diz o cru Amor?- Falar nĂŁo ousa.
– E quem o faz calar?- Minha vontade.

Na corte que ficou?- Saudade brava.
– Que fica lĂĄ que ver?- NenhĂŒa cousa;
mas fica que chorar sua beldade.

De quem o mesmo Amor nĂŁo se Apartava

JĂĄ a roxa e clara Aurora destoucava
Os seus cabelos de ouro delicados,
E das flores os campos esmaltados
Com cristalino orvalho borrifava;

Quando o formoso gado se espalhava
De SĂ­lvio e de Laurente pelos prados;
Pastores ambos, e ambos apartados
De quem o mesmo Amor nĂŁo se apartava.

Com verdadeiras lĂĄgrimas, Laurente,
− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada,
Porque nĂŁo morre jĂĄ quem vive ausente,

Pois a vida sem ti nĂŁo presta nada.
Responde Sílvio: − Amor não o consente,
Que ofende as esperanças da tornada.