Sonetos sobre CĂ©u de Alphonsus de Guimaraens

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Sonetos de céu de Alphonsus de Guimaraens. Leia este e outros sonetos de Alphonsus de Guimaraens em Poetris.

IV

Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visĂ”es crepusculares…
Tu Ă©s uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vĂȘs no azul o teu caixĂŁo de pinho.

És a essĂȘncia de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂ­tola da prece…

Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandĂĄlias trazes…

VI

P. SiĂŁo que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visĂ”es contritas…
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.

As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao CĂ©u as cĂșpulas benditas.

As virgens de Israel as negras comas
Aromatizam com os ungĂŒentos brancos
dos nigromantes de mortais aromas…

Jerusalém, em meio às Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruĂ­nas de cidades mortas.

II

Celeste… É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste…
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste… E como tu Ă©s do cĂ©u nĂŁo amas:
Forma imortal que o espĂ­rito reveste
De luz, nĂŁo temes sol, nĂŁo temes chamas,
Porque Ă©s sol, porque Ă©s luar, sendo celeste.

IncoercĂ­vel como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mĂĄgoa do findar do dia.

E a lua, em meio Ă  noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hĂłstia sagrada.

XLI

Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno…
Envoltos nos clarÔes fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.

Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o prĂłprio inferno.

Cantam esta mansĂŁo, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De Ășmido pĂł que hĂĄ de abafar-lhe os cantos…

Cada um de nĂłs Ă© a bĂșssola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte…

LXXV

Como se moço e não bem velho eu fosse
Uma nova ilusĂŁo veio animar-me.
Na minh’alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.

Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas Ăąnsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios que vinham desolar-me.

Vi-me no cimo eterno da montanha,
Tentando unir ao peito a luz dos cĂ­rios
Que brilhavam na paz da noite estranha.

Acordei do ĂĄureo sonho em sobressalto:
Do céu tombei aos caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tĂŁo alto…