Sonetos sobre Dor de Vasco Mouzinho de Quebedo

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Sonetos de dor de Vasco Mouzinho de Quebedo. Leia este e outros sonetos de Vasco Mouzinho de Quebedo em Poetris.

Soneto XXXX

Num seco ramo, nĂș de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vĂȘ-lo a cada sombra se lhe antolha.

Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque nĂŁo consente
A dor ver ĂĄgua clara, juntamente
A envolve c’os pĂ©s e o bico molha.

Se ausĂȘncia e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausĂȘncia, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,

Que farĂŁo em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a nĂŁo sentir, e acabe.

Soneto XXXVI

Aquele que Ă© da BĂ­bora mordido
A todos sua dor e mal encobre,
E sĂł Ă quele o diz e lho descobre,
Que sabe foi também dela firido.

Tal eu que todo o bem tenho perdido
De todo o gosto e de alegria pobre,
De vĂłs a quem a mesma nuve cobre
Quero sĂł que meu mal seja sabido.

Das searas e campo o lavrador,
Das batalhas e trances o soldado,
Ouve pronto do mar quem no mar trata,

O triste a quem alegra seu cuidado,
Qual borboleta, busca sempre a dor,
Morto d’amores sĂł por quem o mata.

Soneto XXIX

Que mal Ă© este meu tĂŁo diferente?
NĂŁo Ă© dos males grandes natureza
Ou se acabarem logo sem firmeza,
Ou acabarem logo a quem os sente?

Seu natural custume nĂŁo consente
Minha ventura, pois minha fraqueza
Como dura: do mal tem fortaleza
Por mais tempo sentir meu acidente.

Sou qual FĂ©nix que morre e ressuscita,
Ou como Prometeu que lĂĄ se queixa,
E por sentir mais dor se nĂŁo consume.

NĂŁo dizem que o costume e tempo incita
A não sentir-se a dor: té nisto deixa
O tempo, e o custume, seu custume.

Soneto XXX

Quando Ă s vezes a mi, por mi pergunto,
Quem fui responde que me nĂŁo conhece
Com nĂŁo ser, de quem sou me desconhece,
E tem-me por defunto, o jĂĄ defunto.

Ele chora-me a mi, por ele ajunto
Com ele minhas lĂĄgrimas, e crece
Ua com outra dor, pois se oferece
Chorar quem jĂĄ fui, e quem sou, junto.

Choro porque o nĂŁo vejo qual o via,
Ele porque me vĂȘ, qual me vĂȘ chora,
De mim, e dele, sĂł lĂĄgrimas hĂĄ.

Espero por um dia, cada dia,
Que ou acabe de ser quem sou agora,
Ou acabe o lembrar-me quem fui jĂĄ.

Soneto V

Qual HĂ©rcules estrela jĂĄ mudado,
Que quando se quer pĂŽr ao tempo certo,
Cabeça e corpo todo jå coberto,
Fica só pelos pés dependurado,

Tal c’ua grave dor, grave cuidado
Que o coração me tem de todo aberto,
Perdida a razĂŁo jĂĄ, de meu fim perto
Me vejo agora em semelhante estado.

Mas ai! paixão penosa, que além passas,
Que este, enfim, nĂŁo Ă© sempre no CĂ©u visto,
Ainda que dos pés se ponha tarde.

E tu, como meu mal e morte traças,
És qual a mão do filho de Calisto,
Que em todo [o] tempo ao mar cintila e arde.