Sonetos sobre Duros de Manuel Maria Barbosa du Bocage

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Sonetos de duros de Manuel Maria Barbosa du Bocage. Leia este e outros sonetos de Manuel Maria Barbosa du Bocage em Poetris.

Eu Deliro, GertrĂșria, eu Desespero

Eu deliro, GertrĂșria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores.
Eu da morte as angĂșstias e os horrores
Por mil vezes sem morrer tolero.

Pelo CĂ©u, por teus olhos te assevero
Que ferve esta alma em cĂąndidos amores;
Longe o prazer de ilĂ­citos favores!
Quero o teu coração, mais nada quero.

Ah! não sejas também qual é comigo
A cega divindade, a Sorte dura.
A vĂĄria Deusa, que me nega abrigo!

Tudo perdi: mas valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
Os roubos que me faz a mĂĄ ventura.

CamÔes, Grande CamÔes, quão Semelhante

CamÔes, grande CamÔes, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrĂ­lego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penĂșria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vĂŁos, que em vĂŁo desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

LudĂ­brio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao CĂ©u, pela certeza
De que sĂł terei paz na sepultura.

Modelo meu tu Ă©s, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
NĂŁo te imito nos dons da Natureza.

Meus Olhos, Atentai no Meu Jazigo

Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte estĂĄ chegado;
Lå soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:

Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vĂȘs com dor meu duro estado,
Volve Ă  terra o cadĂĄver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos coraçÔes, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:

Abre em meu nome este epitĂĄfio nela:
“Eu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidĂ”es, matou-me Isabela.”

Fiei-me nos Sorrisos da Ventura

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
MomentĂąneo relĂąmpago nĂŁo dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo hĂșmido e ouco,
Pareço, atĂ© no tom lĂșgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estĂąncia para mim tĂŁo prĂłpria Ă© esta!
Causais-me um doce, e fĂșnebre transporte,
Áridos matos, lÎbrega floresta!

Ah! nĂŁo me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidĂŁo e a morte.

Morte, JuĂ­zo, Inferno e ParaĂ­so

Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhÔes adoro e beijo.

Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.

Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo sĂł meu sustento os meus cuidados;

E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, JuĂ­zo, Inferno e ParaĂ­so.

Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças

Negra fera, que a tudo as garras lanças,
JĂĄ murchaste, insensĂ­vel a clamores,
Nas faces de TirsĂĄlia as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.

Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
VĂȘ as trĂȘs Graças, vĂȘ os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!

DomicĂ­lio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruĂ­da a formosura,
Abre-te, då lugar a um desgraçado.

Eis desço, eis cinzas palpo… Ah, Morte dura!
Ah, TirsĂĄlia! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, Ăł sepultura!

Soneto Ditado Na Agonia

JĂĄ Bocage nĂŁo sou!… À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento…
Eu aos CĂ©us ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;

Conheço agora jå quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!… Tivera algum merecimento
Se um raio da razĂŁo seguisse pura.

Eu me arrependo; a lĂ­ngua quasi fria
Brade em alto pregĂŁo Ă  mocidade,
Que atrĂĄs do som fantĂĄstico corria:

Outro Aretino fui… a santidade
Manchei!… Oh! Se me creste, gente Ă­mpia,
Rasga meus versos, crĂȘ na eternidade!.

Sobre Estas Duras, Cavernosas Fragas

Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estĂŁo negras paixĂ”es n’alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.

Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vĂĄs nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas Ăąnsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co’a ideia eu corro,
Solto gemidos, lĂĄgrimas derramo.

RazĂŁo, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me nĂŁo amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.

Vós, Crédulos Mortais, Alucinados

Vós, crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparĂȘncias
colheis por uso erradas consequĂȘncias
dos acontecimentos desastrados.

Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciĂȘncias,
indo a cair, gritais que sĂŁo violĂȘncias
de inexoråveis céus, de negros fados.

Se um celeste poder tirano e duro
Ă s vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, Ăł RazĂŁo, teu lume puro?

Não forçam coraçÔes as divindades,
fado amigo nĂŁo hĂĄ nem fado escuro:
fados são as paixÔes, são as vontades.

O Suspiro

Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de VĂ©nus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:

Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos coraçÔes a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:

Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro of’rece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:

Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tĂŁo infeliz, que isso me basta.