Sonetos Exclamativos de Florbela Espanca

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Deixai Entrar A Morte

Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.

Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mĂŁos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, nĂŁo encontrou nada!

Ă“ MĂŁe! Ă“ minha MĂŁe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxeste

Pra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lĂ­rio que em má hora foi nascido!…

Prince Charmant

A Raul Proença

No lânguido esmaecer das amorosas
Tardes que morrem voluptuosamente
Procurei-O no meio de toda a gente.
Procurei-O em horas silenciosas!

Ă“ noites da minh’alma tenebrosas!
Boca sangrando beijos, flor que sente…
Olhos postos num sonho, humildemente…
MĂŁos cheias de violetas e de rosas…

E nunca O encontrei!…Prince Charmant…
Como audaz cavaleiro em velhas lendas
Virá, talvez, nas névoas da manhã!

Em toda a nossa vida anda a quimera
Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas…
— Nunca se encontra Aquele que se espera!…

Languidez

Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes de Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar …

E a minha boca tem uns beijos mudos …
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar …

A Minha Tragédia

Tenho Ăłdio Ă  luz e raiva Ă  claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ă“ minha vĂŁ, inĂştil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …

Eu nĂŁo gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …

Hora que Passa

Vejo-me triste, abandonada e sĂł
Bem como um cĂŁo sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!

Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida, escura,
Minh’alma sem amor Ă© cinza, Ă© pĂł,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!

Que tragĂ©dia tĂŁo funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!

Deus! Como Ă© triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho d’água triste… a vida corre…

ImpossĂ­vel

Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
“Parece Sexta-Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar de olhos no chĂŁo,
Sempre a pensar na dor que nĂŁo existe …

O que Ă© que tem?! TĂŁo nova e sempre triste!
Faça por estar contente! Pois entĂŁo?! …”
Quando se sofre, o que se diz Ă© vĂŁo …
Meu coração, tudo, calado, ouviste …

Os meus males ninguĂ©m mos adivinha …
A minha Dor nĂŁo fala, anda sozinha …
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera! …

Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus … ninguĂ©m … A minha Dor nĂŁo cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera! …

Sou Eu!

Ă€ minha ilustre camarada Laura haves

Pelos campos em fora, pelos combros,
Pelos montes que embalam a manhĂŁ,
Largo os meus rubros sonhos de pagĂŁ,
Enquanto as aves poisam nos meus ombros…

Em vĂŁo me sepultaram entre escombros
De catedrais duma escultura vĂŁ!
Olha-me o loiro sol tonto de assombros,
as nuvens, a chorar, chamam-me irmĂŁ!

Ecos longĂ­nquos de ondas… de universos..
Ecos dum Mundo… dum distante AlĂ©m,
Donde eu trouxe a magia dos meus versos!

Sou eu! Sou eu! A que nas mĂŁos ansiosas
Prendeu da vida, assim como ninguém,
Os maus espinhos sem tocar nas rosas!

Toledo

Diluído numa taça de oiro a arder
Toledo Ă© um rubi. E hoje Ă© sĂł nosso!
O sol a rir… Vivalma… NĂŁo esboço
Um gesto que me nĂŁo sinta esvaecer…

As tuas mĂŁos tacteiam-me a tremer…
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço
É como um jasmineiro em alvoroço
Ébrio de sol, de aroma, de prazer!

Cerro um pouco o olhar onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo,
– Um grande amor Ă© sempre grave e triste.

Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo…
Uma torre ergue ao cĂ©u um grito agudo…
Tua boca desfolha-me num beijo…

Ambiciosa

Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vĂ´o dum gesto para os alcançar…

Se as minhas mĂŁos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar…
– Quantas panteras bárbaras mataram
SĂł pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? – Terra tĂŁo pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum deus!…

Noitinha

A noite sobre nĂłs se debruçou…
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou…

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguĂ©m pelas quebradas fora…
Flores do campo, humildes, mesmo agora.
A noite, os olhos brandos, lhes fechou…

Fumo beijando o colmo dos casais…
Serenidade idĂ­lica de fontes,
E a voz dos rouxinĂłis nos salgueirais…

Tranquilidade… calma… anoitecer…
Num ĂŞxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater…

Pior Velhice

Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso sĂŁo andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, náufraga da Vida, ando a morrer!

A Vida, que ao nascer, enfeita e touca
De alvas rosas a fronte da mulher,
Na minha fronte mĂ­stica de louca
MartĂ­rios sĂł poisou a emurchecer!

E dizem que sou nova… A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!

Tenho a pior velhice, a que Ă© mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova… outrora…

A Vida

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
InĂştil o desejo ou o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria Ă© feita dum tormento,
Um riso Ă© sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusĂŁo morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nĂłs renasce
Que no mesmo momento Ă© já perdida…

Amar-te a vida inteira eu nĂŁo podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se Ă© isto a vida!…

Amor que morre

O nosso amor morreu… Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria…
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre… e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia…

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
SĂŁo precisos amores, pra morrer,
E sĂŁo precisos sonhos para partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!

Ser Poeta

Ser Poeta Ă© ser mais alto, Ă© ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E nĂŁo saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhĂŁs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E Ă© amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizĂŞ-lo cantando a toda gente!

Noite De Saudade

A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra , que inunda de amargura…
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura…

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que Ă© cheia de tortura…
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Porque és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual Ă  que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem…
Talvez de ti, Ăł Noite!…Ou de ninguĂ©m!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que eu tenho!!

Mentiras

Ai quem me dera uma feliz mentira

que fosse uma verdade para mim!

J. DANTAS

Tu julgas que eu nĂŁo sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu nĂŁo sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?

Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade…
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, nĂŁo te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito…

Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!

Sem Palavras

Brancas, suaves mĂŁos de irmĂŁ
Que sĂŁo mais doces que as das rainhas,
HĂŁo de pousar em tuas mĂŁos, as minhas
Numa carĂ­cia transcendente e vĂŁ.

E a tua boca a divinal manhĂŁ
Que diz as frases com que me acarinhas,
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sĂŁ.

Meus olhos hĂŁo de olhar teus olhos tristes;
SĂł eles te dirĂŁo que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada!

E nunca se amará ninguém melhor;
Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!…

Mocidade

A mocidade esplĂŞndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vĂŞ num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espĂ­rito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmĂŁ tempestuosa,
– Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
– Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tĂŁo pequeno… e a vida, água a fugir…

CastelĂŁ da Tristeza

Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor …
E nunca em meu castelo entrou alguém!

CastelĂŁ da Tristeza, vĂŞs? … A quem? …
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pĂ´r …
Chora o silĂŞncio … nada … ninguĂ©m vem …

CastelĂŁ da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
Ă€ sombra rendilhada dos vitrais? …

À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? … Porque anseias? …
Que sonho afagam tuas mĂŁos reais? …

Princesa Desalento

Minh’alma Ă© a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!

É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh’alma Ă© a Princesa Desalento…

Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavĂ­ssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!

O luar ouve a minh’alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz Ă  tua porta…