Sonetos sobre Doentes de Florbela Espanca

5 resultados
Sonetos de doentes de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Dizeres ĂŤntimos

É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar (com que ansiedade! …)
As minhas mĂŁos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebĂŞs doentes
Que hĂŁo-de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo Ă© ter-se o ParaĂ­so,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e trĂŞs anos … (Sou tĂŁo nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida! …”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”

CrepĂşsculo

Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lĂ­rios roxos e dolentes…

E os lĂ­rios fecham… Meu Amor, nĂŁo sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mĂŁos sĂŁo maceradas
Como vagas saudades de doentes…

O SilĂŞncio abre as mĂŁos… entorna rosas…
Andam no ar carĂ­cias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando…

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando…

Alma Perdida

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente …
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste … e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa Ă  noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz! …

Ao Vento

O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!

Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amor,
A tua voz tortura toda a gente! …

Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sĂłs comigo,
E nĂŁo rias assim ! … Ă“ vento, chora!

Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
e a gente andar a rir pla vida fora!! …

As Minhas Ilusões

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă  beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂ­vel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ăşltimo suspiro, a estremecer!

O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …