Sonetos sobre Cabeça de Florbela Espanca

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Sonetos de cabeça de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

A Um Moribundo

Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono…

A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono…

O que há depois? Depois?… O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?

Que importa? Que te importa, ó moribundo?
– Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!…

Suavidade

Poisa a tua cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce Irmã compadecida.

Hás de contar-me nessa voz tão q’rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.

E hás de adormecer nos meus joelhos…
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão de fazer-se leves e suaves…

Hão de poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d’aves…

As Minhas Ilusões

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira …
O sol é um doente a enlanguescer …

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …

À Tua Porta Há um Pinheiro Manso

À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra…

E, à noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

A Maior Tortura

A um grande poeta de Portugal

Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia…
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!

E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia! …
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!

Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és
Para gritar num verso a minha Dor!…

Sol Poente

Tardinha… “Ave-Maria, Mãe de Deus…”
E reza a voz dos sinos e das noras…
O sol que morre tem clarões d’auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!

Horas que têm a cor dos olhos teus…
Horas evocadoras doutras horas…
Lembranças de fantásticos outroras,
De sonhos que não tenho e que eram meus!

Horas em que as saudades, p’las estradas,
Inclinam as cabeças mart’rizadas
E ficam pensativas… meditando…

Morrem verbenas silenciosamente…
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pálida boca desfolhando…

Mãezinha

Andam em mim fantasmas, sombras, ais…
Coisas que eu sinto em mim, que eu sinto agora;
Névoas de dantes, dum longínquo outrora;
Castelos d’oiro em mundos irreais…

Gotas d’água tombando… Roseirais
A desfolhar-se em mim como quem chora…
— E um ano vale um dia ou uma hora,
Se tu me vais fugindo mais e mais!…

Ó meu Amor, meu seio é como um berço
Ondula brandamente… Brandamente…
Num ritmo escultural d’onda ou de verso!

No mundo quem te vê?! Ele é enorme!…
Amor, sou tua mãe! Vá… docemente
Poisa a cabeça… fecha os olhos… dorme…