Caravelas
Cheguei a meio da vida jĂĄ cansada
De tanto caminhar! JĂĄ me perdi!
Dum estranho paĂs que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.Tanto tenho aprendido e nĂŁo sei nada.
E as torres de marfim que construĂ
Em trĂĄgica loucura as destruĂ
Por minhas prĂłprias mĂŁos de malfadada!Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.Caravelas doiradas a bailar…
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei Ă vida, e nĂŁo voltaram!…
Sonetos sobre Vagas de Florbela Espanca
10 resultadosTédio
Passo pålida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela Ă©! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
NĂŁo tenho um gesto, ou um olhar sequer…Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que Ă© que isso me faz? O que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!O que é que me importa?! Essa tristeza
Ă menos dor intensa que frieza,
Ă um tĂ©dio profundo de viver!E Ă© tudo sempre o mesmo, eternamente…
O mesmo lago plĂĄcido, dormente…
E os dias, sempre os mesmos, a correr…
CrepĂșsculo
Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lĂrios roxos e dolentes…E os lĂrios fecham… Meu Amor, nĂŁo sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mĂŁos sĂŁo maceradas
Como vagas saudades de doentes…O SilĂȘncio abre as mĂŁos… entorna rosas…
Andam no ar carĂcias vaporosas
Como pĂĄlidas sedas, arrastando…E a tua boca rubra ao pĂ© da minha
Ă na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando…
Hora que Passa
Vejo-me triste, abandonada e sĂł
Bem como um cĂŁo sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida, escura,
Minh’alma sem amor Ă© cinza, Ă© pĂł,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!Que tragĂ©dia tĂŁo funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e jĂĄ desfeito!Deus! Como Ă© triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho d’ĂĄgua triste… a vida corre…
As Minhas IlusÔes
Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂvel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ășltimo suspiro, a estremecer!O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
à flor das ondas, num lençol de espuma.As minhas IlusÔes, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …
Ă Tua Porta HĂĄ um Pinheiro Manso
Ă tua porta hĂĄ um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra…E, Ă noite, a sua voz dolente e vaga
à o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!
Sombra
De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos lĂmpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pĂĄlidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…De mĂŁos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento nĂŁo baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dĂĄ rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
DâalguĂ©m que dobra a curva duma estrada…
AngĂșstia
Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cĂĄ dentro, muito a sĂłs,
Estrangular a hidra num momento!E nĂŁo se quer pensar! … e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nĂłs …
Querer apagar no cĂ©u â Ăł sonho atroz! â
O brilho duma estrela, com o vento! …E nĂŁo se apaga, nĂŁo … nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga …
Vem sempre perguntando: âO que te resta? …âAh! nĂŁo ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!
Tarde no Mar
A tarde Ă© de oiro rĂștilo: esbraseia
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frågil graça de menino,Poisa o manto de arminho na areia
E lĂĄ vai, e lĂĄ segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia.
Desenha mĂŁos sangrentas de assassino!Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretĂ©m a desfolhar…E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mĂŁos morenas, milagrosas,
SĂŁo as asas do sol, agonizantes…
Tarde De MĂșsica
SĂł Schumann, meu Amor! Serenidade…
NĂŁo assustes os sonhos…Ah! nĂŁo varras
As quimeras…Amor, senĂŁo esbarras
Na minha vaga imaterialidade…Liszt, agora o brilhante; o piano arde…
Beijos alados…ecos de fanfarras…
PĂ©talas dos teus dedos feitos garras…
Como cai em pĂł de oiro o ar da tarde!Eu olhava para ti…”Ă© lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
— Havia rosas cor-de-rosa aos molhos —Falavas de Liszt e eu…da musical
Harmonia das pĂĄlpebras descidas,
Do ritmo dos teus cĂlios sobre os olhos…