Sonetos sobre Quentes

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Sonetos de quentes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Acrobata Da Dor

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…

Pedem-te bis e um bis nĂŁo se despreza!
Vamos! retesa os mĂşsculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço…

E embora caias sobre o chĂŁo, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.

Bom Dia, Amigo Sol!

Bom dia, amigo Sol! A casa Ă© tua!
As bandas da janela abre e escancara,
– deixa que entre a manhĂŁ sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entre! Vem surpreendĂŞ-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara…
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne Ă© branca como a Lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho…
Que nĂŁo repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços…

Entra! SĂł tu possuis esse direito,
– de surpreendĂŞ-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!…

Amor Vivo

Amar! mas d’um amor que tenha vida…
NĂŁo sejam sempre tĂ­midos harpejos,
NĂŁo sejam sĂł delirios e desejos
D’uma douda cabeça escandecida…

Amor que vive e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser — e não só beijos
Dados no ar — delírios e desejos —
Mas amor… dos amores que tĂŞm vida…

Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipa-lo nos meus braços
Como nĂ©voa da vaga fantasia…

Nem murchará do sol á chama erguida…
Pois que podem os astros dos espaços
Contra dĂ©beis amores… se tĂŞm vida?

A Carnal Tentação Desenfreada

A carnal tentação desenfreada
Que ao sangue quente alta justiça pede,
Fez com que eu, embrulhando-me na rede
Subisse de uma puta a infame escada.

Ligeiras pulgas saltam de emboscada
Fartando em mim de sangue humano a sede;
Arde a vela pregada na parede,
Já de antigos morrões afogueada.

Saiu da alcova a desgrenhada fĂşria
Respirando venal sensualidade,
Vil desalinho, sĂłrdida penĂşria:

Muito pode a pobreza e a porquidade;
Abati as bandeiras Ă  luxĂşria
Jurei no altar de VĂ©nus castidade.

Soneto Da Mulher Ao Sol

Uma mulher ao sol – eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pĂłlen da luz.

Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol – eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo Ăşmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.

Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce

E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente – e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir…

Cabelos

I

Cabelos! Quantas sensações ao vê-los!
Cabelos negros, do esplendor sombrio,
Por onde corre o fluido vago e frio
Dos brumosos e longos pesadelos…

Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos,
Tudo que lembra as convulsões de um rio
Passa na noite cálida, no estio
Da noite tropical dos teus cabelos.

Passa através dos teus cabelos quentes,
Pela chama dos beijos inclementes,
Das dolĂŞncias fatais, da nostalgia…

Auréola negra, majestosa, ondeada,
Alma da treva, densa e perfumada,
Lânguida Noite da melancolia!

PĂ©s

VI

LĂ­vidos, frios, de sinistro aspecto,
Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
Inteiriçados, dentre a auréola vaga
Do mistério sagrado de um afeto.

Pés que o fluido magnético, secreto
Da morte maculou de estranha e maga
Sensação esquisita que propaga
Um frio n’alma, doloroso e inquieto…

PĂ©s que bocas febris e apaixonadas
Purificaram, quentes, inflamadas,
Com o beijo dos adeuses soluçantes.

Pés que já no caixão, enrijecidos,
Aterradoramente indefinidos
Geram fascinações dilacerantes!

Rir!

Rir! Não parece ao século presente
Que o rir traduza, sempre, uma alegria…
Rir! Mas nĂŁo rir como essa pobre gente
Que ri sem arte e sem filosofia.

Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente,
Com que André Gil eternamente ria.
Rir! Mas com o rir demolidor e quente
Duma profunda e trágica ironia.

Antes chorar! Mais fácil nos parece.
Porque o chorar nos ilumina e nos aquece
Nesta noite gelada do existir.

Antes chorar que rir de modo triste…
Pois que o difĂ­cil do rir bem consiste
SĂł em saber como Henri Heine rir!…

XVII

Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas

Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida …
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:

Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas … um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes …

E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.

A Voz do Amor

Nessa pupila rĂştila e molhada,
RefĂşgio arcano e sacro da Ternura,
A ampla noite do gozo e da loucura
Se desenrola, quente e embalsamada.

E quando a ansiosa vista desvairada
Embebo Ă s vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura…

É a voz do Amor, que, em teu olhar falando,
Num concerto de sĂşplicas e gritos
Conta a histĂłria de todos os amores;

E vĂŞm por ela, rindo e blasfemando,
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores…

Vinho Negro

O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.

O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.

E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.

E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.

Conchita

Adeus aos filtros da mulher bonita;
A esse rosto espanhol, pulcro e moreno;
Ao pĂ© que no bolero… ao pĂ© pequeno;
PĂ© que, alĂ­gero e cĂ©lere, saltita…

Lira do amor, que o amor nĂŁo mais excita,
A um silĂŞncio de morte eu te condeno;
Despede-te; e um adeus, no Ăşltimo treno,
Soluça às graças da gentil Conchita:

A esses, que em ondas se levantam, seios
Do mais cheiroso jambo; a esses quebrados
Olhos meridionais de ardĂŞncia cheios;

A esses lábios, enfim, de nácar vivo,
Virgens dos lábios de outrem, mas corados
Pelos beijos de um sol quente e lascivo.

Arrependo-me de a Meter num Romance

O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.

Deus fez o poeta por que nĂŁo descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro — e faz menção de me enfeitar.

Os outros a conspurcam, mas Ă© minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,

Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.

Roma PagĂŁ

Na antiga Roma, quando a saturnal fremente
Exerceu sobre tudo o báquico domínio,
NĂŁo era raro ver nos gozos do triclĂ­nio
A nudez feminina imperiosa e quente.

O corpo de alabastro, olĂ­mpico e fulgente,
Lascivamente nu, correto e retilĂ­nio,
Num doce tom de cor, esplĂŞndido e sangĂĽĂ­neo,
Tinha o assombro da came e a forma da serpente.

A luz atravessava em frocos d’oiro e rosa
Pela fresca epiderme, ebĂşrnea e setinosa,
Macia, da maciez dulcĂ­ssima de arminhos.

Menos raro, porém, do que a nudez romana
Era ver borbulhar, em férvida espadana
A pĂşrpura do sangue e a pĂşrpura dos vinhos.

A Minha Tragédia

Tenho Ăłdio Ă  luz e raiva Ă  claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ă“ minha vĂŁ, inĂştil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …

Eu nĂŁo gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …

Dança Do Ventre

Torva, febril, torcicolosamente,
Numa espiral de elétricos volteios,
Na cabeça, nos olhos e nos seios
FluĂ­am-lhe os venenos da serpente.

Ah! que agonia tenebrosa e ardente!
Que convulsões, que lúbricos anseios,
Quanta volĂşpia e quantos bamboleios,
Que brusco e horrĂ­vel sensualismo quente.

O ventre, em pinchos, empinava todo
Como reptil abjecto sobre o lodo,
Espolinhando e retorcido em fĂşria.

Era a dança macabra e multiforme
De um verme estranho, colossal, enorme,
Do demĂ´nio sangrento da luxĂşria!

Judia

Ah! Judia! Judia impenitente!
De erma e de turva regiĂŁo sombria
De areia fulva, bárbara, inclemente,
Numa desolação, chegaste um dia…

Través o céu mais tórrido, mais quente,
Onde a luz mais flamĂ­voma radia,
A voz dos teus, nostálgica, plangente,
Vibrou, chorou, clamou por ti, Judia!

Ave de melancólicos mistérios,
Ruflaste as asas por Azuis sidérios,
Ébria dos vĂ­cios cĂ©lebres que salvam…

Para alguns corações que ainda te buscam
És como os sóis que rútilos coruscam
E a torva terra do deserto escalvam!

Sombra

De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos lĂ­mpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…

De mĂŁos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento nĂŁo baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…

Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dá rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…

Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguĂ©m que dobra a curva duma estrada…

Horas Rubras

Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volĂşpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…

Oiço olaias em flor Ă s gargalhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
SĂŁo pedaços de prata p’las estradas…

Os meus lábios sĂŁo brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…

Sou chama e neve e branca e mist’riosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ă“ meu Poeta, o beijo que procuras!

Alma Antiga

Põe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos páramos faísca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.

Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
Ă€ luz da aurora que dos altos risca
De listrões d’ouro a vastidĂŁo deserta.

Vai por abril em flores gorgeando
Como pássaro exul as canções leves
Que os ventos vão nas árvores deixando.

E tira da tua alma, Ăł doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!