Sonetos sobre Fogo de Cruz e Souza

8 resultados
Sonetos de fogo de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Falando Ao CĂ©u

Falas ao CĂ©u, Amor! Em vĂŁo tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele Ă© branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.

A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.

Sempre surdo, hoje o cĂ©u Ă© mudo, Ă© cego…
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tĂŁo cego vou por entre abrolhos.

Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos…

Cavador Do Infinito

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ă‚nsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias…

Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!

Spleen De Deuses

Oh! Dá-me o teu sinistro Inferno
Dos desesperos tétricos, violentos,
Onde rugem e bramem como os ventos
Anátemas da Dor, no fogo eterno…

Dá-me o teu fascinante, o teu falerno
Dos falernos das lágrimas sangrentos
Vinhos profundos, venenosos, lentos
Matando o gozo nesse horror do Averno.

Assim o Deus dos Páramos clamava
Ao DemĂ´nio soturno, e o rebelado,
CapricĂłrnio SatĂŁ, ao Deus bradava.

Se és Deus-e já de mim tens triunfado,
Para lavar o Mal do Inferno e a bava
Dá-me o tĂ©dio senil do cĂ©u fechado…

Metamorfose

A Carlos Ferreira

O sol em fogo pelo ocaso explode
Nesse estertor, que os crânios assoberba.
Vivo, o clarĂŁo, nuns frocos exacerba
Dos ideais a original nevrose.

Da natureza os anafis mouriscos
Ante o cariz da atmosfera muda,
Soam queixosos, numa nota aguda,
Da luz que esvai-se aos derradeiros discos.

O pensamento que flameja e luta
Nos ares rasga aprofundado sulco…
A sombra desce nos lisins da gruta;

E a lua nova — a peregrina Onfale,
Como em um plaustro luminoso, hiulco,
Surge através dos pinheirais do vale.

25 De Março

25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o Ceará

Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na Ăłrbita traçada — de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciĂŞncia — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de herĂłis — presentes pelo dorso
Ă€ rubra luz da glĂłria — enquanto voa e zumbe.

O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.

Domus Aurea

De bom amor e de bom fogo claro
Uma casa feliz se acaricia…
Basta-lhe luz e basta-lhe harmonia
Para ela nĂŁo ficar ao desamparo.

O Sentimento, quando Ă© nobre e raro,
Veste tudo de cândida poesia…
Um bem celestial dele irradia,
Um doce bem, que nĂŁo Ă© parco e avaro.

Um doce bem que se derrama em tudo,
Um segredo imortal, risonho e mudo,
Que nos leva debaixo da sua asa.

E os nossos olhos ficam rasos d’água
Quando, rebentos de uma oculta mágoa,
São nossos filhos todo o céu da casa.

Único Remédio

Como a chama que sobe e que se apaga
Sobem as vidas a espiral de Inferno.
O desespero Ă© como o fogo eterno
Que o campo quieo em convulções alaga…

Tudo Ă© veneno, tudo cardo e praga!
E al almas que tĂŞm sede de falerno
Bebem apenas o licor moderno
Do tédio pessimista que as esmaga.

Mas a Caveira vem se aproximando,
Vem exótica e nua, vem dançando,
No estrambotismo lĂşgubre vem vindo.

E tudo acaba entĂŁo no horror insano –
– Desespero do Inferno e tĂ©dio humano –
Quando, d’esguelha, a Morte surge, rindo…

Espasmos

Alma das gerações, alma lendária
Que tens tanto de Hamlet, tanto de Ofélia,
A candidez da rórida camélia
E as lágrimas da Sede hereditária.

Alma dormente, tumultuosa, vária,
Acorde de harpa misteriosa e célia,
Virgindade selvagem de bromélia,
Alma do Eleito, do Plebeu, do Pária.

És a chama do Amor, negro-vermelha,
De onde rompeu a fĂşlgida centelha
Que a Flor de fogo fez gerar no Dante.

Com teus espasmos e delicadezas,
Nervosas e secretas sutilezas
Enches todo este Abismo soluçante!