Chopin
NĂŁo se acende hoje a luz…Todo o luar
Fique lá fora.Bem Aparecidas
As estrelas miudinhas, dando no ar
As voltas dum cordĂŁo de margaridas!Entram falenas meio entontecidas…
Lusco-fusco…um morcego a palpitar
Passa…torna a passar…torna a passar…
As coisas tĂŞm o ar de adormecidas…Mansinho…Roça os dedos plo teclado,
No vago arfar que tudo alteia e doira,
Alma, Sacrário de Almas, meu Amado!E, enquanto o piano a doce queixa exala,
Divina e triste, a grande sombra loira
Vem para mim da escuridĂŁo da sala…
Sonetos sobre Hoje de Florbela Espanca
8 resultadosSe tu viesses ver-me…
Se tu viesses ver-me hoje Ă tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mĂŁo na minha…Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcĂssimas dum beijo
E Ă© de seda vermelha e canta e riE Ă© como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…
Neurastenia
Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza…O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estĂŁo nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza…Chuva…tenho tristeza! Mas porquĂŞ?!
Vento…tenho saudades! Mas de quĂŞ?!
Ă“ neve que destino triste o nosso!Ă“ chuva! Ă“ vento! Ă“ neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu nĂŁo posso !!…
Minha Culpa
A Artur Ledesma
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem…
Sou um reflexo… um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivĂ©m…Como a sorte: hoje aqui, depois alĂ©m!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!…Sou um verme que um dia quis ser astro…
Uma estátua truncada de alabastro…
Uma chaga sangrenta do Senhor…Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador…
O Nosso Mundo
Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Pousando em ti o meu olhar eterno
Como pousam as folhas sobre os lagos…Os meus sonhos agora sĂŁo mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, Ă© mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!A Vida, meu Amor, quero vivĂŞ-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebĂŞ-la!Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vĂŁos?…
O mundo, Amor! … As nossas bocas juntas!…
ImpossĂvel
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
“Parece Sexta-Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar de olhos no chĂŁo,
Sempre a pensar na dor que nĂŁo existe …O que Ă© que tem?! TĂŁo nova e sempre triste!
Faça por estar contente! Pois entĂŁo?! …”
Quando se sofre, o que se diz Ă© vĂŁo …
Meu coração, tudo, calado, ouviste …Os meus males ninguĂ©m mos adivinha …
A minha Dor nĂŁo fala, anda sozinha …
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera! …Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus … ninguĂ©m … A minha Dor nĂŁo cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera! …
Toledo
DiluĂdo numa taça de oiro a arder
Toledo Ă© um rubi. E hoje Ă© sĂł nosso!
O sol a rir… Vivalma… NĂŁo esboço
Um gesto que me nĂŁo sinta esvaecer…As tuas mĂŁos tacteiam-me a tremer…
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço
É como um jasmineiro em alvoroço
Ébrio de sol, de aroma, de prazer!Cerro um pouco o olhar onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo,
– Um grande amor Ă© sempre grave e triste.Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo…
Uma torre ergue ao cĂ©u um grito agudo…
Tua boca desfolha-me num beijo…
Ódio?
Ă“dio por Ele? NĂŁo… Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se Ă vida assim roubei todo o encanto,Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!Nunca mais o amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ă“dio por Ele? NĂŁo… nĂŁo vale a pena…