Sonetos sobre Iguais de Antero de Quental

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Sonetos de iguais de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

ComunhĂŁo

Reprimirei meu pranto!… Considera
Quantos, minh’alma, antes de nĂłs vagaram,
Quantos as mĂŁos incertas levantaram
Sob este mesmo cĂ©u de luz austera!…

— Luz morta! amarga a própria primavera! —
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes sĂł por instinto, e se apoiaram
Na obscura e herĂłica fĂ©, que os retempera…

E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende á lei de ignotas multidões. —
Seguirei meu caminho confiado,

Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhĂŁo dos nossos pais antigos.

Redenção

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando Ă s vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e Ă­ntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espĂ­rito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa lĂ­ngua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmĂŁs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…

Almas no limbo ainda da existĂŞncia,
Acordareis um dia na ConsciĂŞncia,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da IlusĂŁo,
Cair desfeitas, como um sonho vĂŁo…
E acabará por fim vosso tormento.

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Das Unnennbare

Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!

Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vĂŁo, com olhos ansiosos,
Que nome Ă© que te dĂŁo os venturosos
No teu paĂ­s, misteriosa fada!

Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual Ă  do sol posto,
Quando só nuvem lívida esvoaça!

Que nem a noite uma ilusĂŁo consinta!
Que sĂł de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!

Na Capela

Na capela, perdida entre a folhagem,
O Cristo, lá no fundo, agonisava…
Oh! como intimamente se casava
Com minha dor a dor d’aquela imagem!

Filhos ambos do amor, igual miragem
Nos roçou pela fronte, que escaldava…
Igual traição, que o afecto mascarava,
Nos deu suplĂ­cio ás mĂŁos da vilanagem…

E agora, ali, em quanto da floresta
A sombra se infiltrava lenta e mesta,
Vencidos ambos, mártires do Fado,

Fitavamo-nos mudos — dor igual! —
Nem, dos dois, saberei dizer-vos qual
Mais palido, mais triste e mais cansado…