Despondency
DeixĂĄ-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…DeixĂĄ-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufÔes pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…DeixĂĄ-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
Ă morte queda, Ă morte silenciosa…DeixĂĄ-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a Ășltima esperança…
E a vida… e o amor… DeixĂĄ-la ir, a vida!
Sonetos sobre Imensidade de Antero de Quental
4 resultadosRedenção
I
Vozes do mar, das ĂĄrvores, do vento!
Quando Ă s vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…Verbo crepuscular e Ăntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
NĂŁo serĂĄs tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?Um espĂrito habita a imensidade:
Uma Ăąnsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.E eu compreendo a vossa lĂngua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmĂŁs da minha, almas cativas!II
NĂŁo choreis, ventos, ĂĄrvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…Da sombra das visĂ”es crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas Ăąnsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…Almas no limbo ainda da existĂȘncia,
Acordareis um dia na ConsciĂȘncia,
E pairando, jĂĄ puro pensamento,Vereis as Formas, filhas da IlusĂŁo,
Cair desfeitas, como um sonho vĂŁo…
E acabarĂĄ por fim vosso tormento.
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me påra o coração robusto.Não que de larvas me povÎe a mente
Esse vĂĄcuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionĂĄrios,
Nem desfilar de espectros mortuĂĄrios,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, hĂșmido e morno,
Um muro de silĂȘncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiÔes do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂŽa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visĂ”es da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
Evolução
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incĂłgnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquĂssimo inimigo…Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paĂșl, glauco pascigo…Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade…Interrogo o infinito e Ă s vezes choro…
Mas estendendo as mĂŁos no vĂĄcuo, adoro
E aspiro unicamente Ă liberdade.