Sonetos Interrogativos de Manuel Maria Barbosa du Bocage

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Liberdade, Onde estĂĄs? Quem Te Demora?

Liberdade, onde estĂĄs? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nĂłs nĂŁo caia?
Porque (triste de mim!) porque nĂŁo raia
JĂĄ na esfera de LĂ­sia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha . . . Oh!, venha, e trĂȘmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pĂĄtrio amor, torce a vontade
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhÔes tua piedade;
Nosso nĂșmen tu Ă©s, e glĂłria, e tudo,
MĂŁe do gĂȘnio e prazer, Ăł Liberdade!

Neste HorrĂ­vel Sepulcro Da ExistĂȘncia

Neste horrĂ­vel sepulcro da existĂȘncia
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razĂŁo se vĂȘ sem arte,
Com que dome a frenĂ©tica impaciĂȘncia:

Aqui pela opressĂŁo, pela violĂȘncia
Que em todos os sentidos se reparte,
TransitĂłrio poder que imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotĂȘncia!

Aqui onde o peito abrange, e sente,
Na mais ampla expressĂŁo acha estreiteza,
Negra idéia do abismo assombra a mente.

Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e nĂŁo gozar da Natureza ?

Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado

Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razĂŁo da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:

Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que sĂł nesta caverna encontro abrigo,
Porque nĂŁo busco as sombras do jazigo,
RefĂșgio perdurĂĄvel, e sagrado?

Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisÔes da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!

Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, Ă© ela que do cĂ©u me brada:
Oh terrĂ­vel pregĂŁo da eternidade!

Dos Tórrido SertÔes, Pejados De Oiro

Dos tórridos sertÔes, pejados de oiro,
Saiu um sabichĂŁo de escassa fama,
Que os livros preza, os cartapĂĄcios ama,
Que das lĂ­nguas repartem o tesoiro.

Arranha o persiano, arranha o moiro,
Sabe que Deus em turco Allah se chama;
Que no grego alfabeto o G Ă© gama,
Que taurus em latim quer dizer toiro.

Para papaguear saiu do mato:
Abocanha talentos, que nĂŁo goza;
É mono, e prega unhadas como gato.

É nada em verso, quase nada em prosa:
NĂŁo conheces, leitor, neste retrato
O guapo charlatão Tomé Barbosa?

Autobiografia

De cerĂșleo gabĂŁo nĂŁo bem coberto,
passeia em Santarém chuchado moço,
mantido, às vezes, de sucinto almoço,
de ceia casual, jantar incerto;

dos esbrugados peitos quase aberto,
versos impinge por miĂșde e grosso;
e do que em frase vil chamam caroço,
se o que, Ă© vox clamantis in deserto;

pede às moças ternura, e dão-lhe motes;
que, tendo um coração como estalage,
vĂŁo nele acomodando a mil peixotes.

Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
cercado de um tropel de franchinotes?
– É o autor do soneto: – Ă© o Bocage.

Ó Tranças De Que Amor PrisĂ”es Me Tece

Ó tranças de que Amor prisĂ”es me tece,
Ó mãos de neve, que regeis meu fado!
Ó tesouro! Ó mistĂ©rio! Ó par sagrado,
Onde o menino alĂ­gero adormece!

Ó ledos olhos, cuja luz parece
TĂȘnue raio de sol! Ó gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!

Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂ­ssimos favores
Talvez o prĂłprio JĂșpiter suspira!

Ó perfeiçÔes! Ó dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂȘnus? – É mentira;
Sois de MarĂ­lia, sois dos meus amores.

VisĂŁo Realizada

Sonhei que a mim correndo o gnĂ­deo nume
Vinha coa Morte, co CiĂșme ao lado,
E me bradava: “Escolhe, desgraçado,
Queres a Morte, ou queres o CiĂșme?”

“NĂŁo Ă© pior daquela fouce o gume
Que a ponta dos farpÔes que tens provado;
Mas o monstro voraz, por mim criado,
Quanto horror hĂĄ no Inferno em si resume.”

Disse; e eu dando um suspiro: “Ah, nĂŁo m’espantes
Coa a vista dessa fĂșria!… Amor, clemĂȘncia!
Antes mil mortes, mil infernos antes!”

Nisto acordei com dor, com impaciĂȘncia;
E nĂŁo vos encontrando, olhos brilhantes,
Vi que era a minha morte a vossa ausĂȘncia!

Sobre Estas Duras, Cavernosas Fragas

Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estĂŁo negras paixĂ”es n’alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.

Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vĂĄs nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas Ăąnsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co’a ideia eu corro,
Solto gemidos, lĂĄgrimas derramo.

RazĂŁo, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me nĂŁo amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.

Vós, Crédulos Mortais, Alucinados

Vós, crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparĂȘncias
colheis por uso erradas consequĂȘncias
dos acontecimentos desastrados.

Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciĂȘncias,
indo a cair, gritais que sĂŁo violĂȘncias
de inexoråveis céus, de negros fados.

Se um celeste poder tirano e duro
Ă s vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, Ăł RazĂŁo, teu lume puro?

Não forçam coraçÔes as divindades,
fado amigo nĂŁo hĂĄ nem fado escuro:
fados são as paixÔes, são as vontades.

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, RazĂŁo, me tens curado?
QuĂŁo fĂĄcil de um estado a outro estado
O mortal sem querer Ă© conduzido!

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe Ă© vedado,
Depois com ferros vis se vĂȘ cingido:

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existĂȘncia Ă  morte!

Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, Ă© lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.