Vê Minha Vida à Luz da Protecção
Vê minha vida à luz da protecção
que dás disposta a dar-se por amor
e quando a mãe te deu à luz com dor
o espírito adensou-se nela entãoo mesmo que em espigas pelo verão
a negra fronte bela foi compor
de inverno em voz amarga acusador
a cuja vista as lágrimas virãoMeu amor em teu corpo se cinzela
e dele os outros seres recebem vida
perante ti criança os que da feridasangram exposta ao mundo que flagela
A mim foste mais bálsamo porém
do que as curas balsâmicas que tem.Tradução de Vasco Graça Moura
Sonetos sobre Inverno
29 resultadosSepultura Romântica
Ali, onde o mar quebra, n’um cachão
Rugidor e monótono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se há-de enterrar meu coração.Queimem-no os sóis da adusta solidão
Na fornalha do estio, em dias lentos;
Depois, no inverno, os sopros violentos
Lhe revolvam em torno o árido chão…Até que se desfaça e, já tornado
Em impalpavel pó, seja levado
Nos turbilhões que o vento levantar…Com suas lutas, seu cansado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
D’esse infecundo, d’esse amargo mar!
Floriram por Engano as Rosas Bravas
Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento desfolhá-las…
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?Castelos doidos! Tão cedo caístes!…
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos…Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze _quanta flor! _do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?
V
Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.
Sobre A Neve
Sobre mim, teu desdém pesado jaz
Como um manto de neve…Quem dissera
Porque tombou em plena Primavera
Toda essa neve que o Inverno traz!Coroavas-me inda pouco de lilás
E de rosas silvestres…quando eu era
Aquela que o destino prometera
Aos teus rútilos sonhos de rapaz!Dos beijos que me deste não te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas…
Folhas de Outono e correria louca…Mas inda um dia, em mim, ébrio de cor,
Há-de nascer um roseiral em flor
Ao sol de Primavera doutra boca!
Inverno
Já na quarta estação final da vida
Estou, do triste Inverno rigoroso.
Fustigado do tempo borrascoso,
Co’a saraiva das asas sacudida.Gelada tenho a fronte encanecida,
O sangue frio, pálido e soroso.
Compresso está o físico nervoso
E a máquina de todo enfraquecida.Nesta quadra da fúnebre tristeza,
Que alegria terei na sombra escura,
Se enlutada se vê a Natureza?Só, c’os frutos da má agricultura,
Vago triste no espaço da incerteza
De que a Morte me dê melhor ventura.
Era a Memória Ardente a Inclinar-se
Era a memória ardente a inclinar-se
à giesta do tempo por frescura
mas o que em seu espelho se figura
vê que está só e a mesma dor foi dar-senoite e dia e silente de amargura
uma saudade em febre o viu queimar-se
até vir por um “sim” a consolar-se
e do perdão mudo hino lhe asseguralevando imagens e sinais de vez
O olhar liberto penetrou no assento
do alto luto onde da palidezdos invernos se erguia outro rebento
de cálices que embalam as sementes
dando ao nome louvado descendentes.Tradução de Vasco Graça Moura
Paisagens de Inverno
I
Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! o sol! Volvei, noites de paz.Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido…
Ó meus olhos, cismai como os velhinhos.Extintas primaveras evocai-as:
_ Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias._Sossegai, esfriai, olhos febris.
_ E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas…Doces vozes senis…_II
Passou o outono já, já torna o frio…
_ Outono de seu riso magoado.
llgido inverno! Oblíquo o sol, gelado…
_ O sol, e as águas límpidas do rio.Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando…Onde ides a correr, melancolias?
_ E, refratadas, longamente ondeando,
O Doente Romântico
Eu sei que morrerei, discreta amante,
Antes do inverno vir; mas, lentamente,
Quero morrer á tua luz radiante,
Como os tísicos á luz do sol poente!Sou romântico assim! O tempo ardente
Das chimeras vai longe! Vão, constante,
Morrerei crendo em ti… e o azul distante
Olhando como um sábio ou um doente!…– Mas, eu não preso a tarde ensanguentada…
Nem o rumor do Sol! – quero a calada
Noute brumosa junto do Oceano…E assim, sem ai nem dor, entre a neblina,
Morrer-me, como morre a balsamina,
– E ouvindo, em sonho, os ais do teu piano.