Sonetos sobre LĂ­rio

49 resultados
Sonetos de lírio escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Velando

Junto dela, velando… E sonho, e afago
Imagens, sonhos, versos comovido…
Vejo-a dormir… O meu olhar Ă© um lago
Em que um lĂ­rio alvorece reflectido…

Vejo-a dormir e sonho… SĂł de vĂŞ-la
Meu olhar se perfuma e em minha vista
Há todo um céu de Amor a estremecê-la
E a devoção ansiosa dum Artista…

– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
Das montanhas do céu, – ó sono leve,
Hálito de jasmim, lĂ­rio, luar…

Respiração de flor, doçura, prece…
-Ă“ rouxinĂłis, calai! Fonte, adormece!…
SenĂŁo o meu Amor pode acordar!…

As Putas da Avenida

Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargĂŁo a vida
com um requebro triste de açucena

vi-as Ă s duas e Ă s trĂŞs falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordena

essa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas nĂŁo Ă© nada
senĂŁo fingirem lĂ­rios da Lorena

mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena

Soneto De Um Casamento

Na sala de luz lĂ­vida, sorriam
Sombras imĂłveis; e outras lacrimosas
Perseguiam lembranças dolorosas
Na exaltação das flores que morriam.

Em vácuos de perfume, descaíam
Diáfanos, de diáfanas mãos piedosas
Fátuos sons de brilhantes que fremiam
Entre a crepitação lenta das rosas.

Nas taças cheias acendiam círios
Votivos, e entre as taças e o lírios
Vozes veladas, nessa mesa posta

Velavam… enquanto plácida e perdida
Irreal e longĂ­nqua como a vida
Toda de branco perpassava a Morta.

Alma Mater

Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!

Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lágrimas estancas

E sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…

Derrama os lĂ­rios, os teus lĂ­rios castos,
Em Jordões imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!

Ideal

Aquela, que eu adoro, nĂŁo Ă© feita
De lĂ­rios nem de rosas purpurinas,
NĂŁo tem as formas languidas, divinas
Da antiga VĂ©nus de cintura estreita…

NĂŁo Ă© a Circe, cuja mĂŁo suspeita
Compõe filtros mortaes entre ruinas,
Nem a Amazona, que se agarra ás crinas
D’um corcel e combate satisfeita…

A mim mesmo pergunto, e nĂŁo atino
Com o nome que dĂŞ a essa visĂŁo,
Que ora amostra ora esconde o meu destino…

É como uma miragem, que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidĂŁo,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo…

O Nosso Livro

Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito…
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
NĂŁo esfolhes os lĂ­rios com que Ă© feito
Que outros nĂŁo tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos sĂł nossos mas que lindos sois!

Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
“Versos sĂł nossos, sĂł de nĂłs os dois!…”

Lembranças Apagadas

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus Ă­ntimos recatos.

Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…

FonĂłgrafo

Vai declamando um cĂ´mico defunto.
Uma platéia ri, perdidamente,
Do bom jarreta… E há um odor no ambiente.
A cripta e a pĂł, – do anacrĂ´nico assunto.

Muda o registo, eis uma barcarola:
LĂ­rios, lĂ­rios, águas do rio, a lua…
Ante o Seu corpo o sonho meu flutua
Sobre um paul, – extática corola.

Muda outra vez: gorjeios, estribilhos
Dum clarim de oiro – o cheiro de junquilhos,
VĂ­vido e agro! – tocando a alvorada…

Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebrou-se agora orvalhada e velada.
Primavera. ManhĂŁ. Que eflĂşvio de violetas!

Pequenina

Ă€ Maria Helena FalcĂŁo Risques

És pequenina e ris…A boca breve
É um pequeno idĂ­lio cor-de-rosa…
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!

Doce quimera que a nossa alma deve
Ao CĂ©u que assim te fez tĂŁo graciosa!
Que desta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem Ă  gente…
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores…
Quando o teu nome diz, suavemente…

Pequenina que a MĂŁe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!…

VolĂşpia

Era já tarde e tu continuavas
entre os meus braços trĂ©mulos, cansados…
E eu, sonolenta, já de olhos fechados,
bebia ainda os beijos que me davas!

Passaram horas!… Nossas bocas flavas,
Muito unidas, em haustos repousados,
Queimavam os meus sonhos macerados,
Como rescaldos de candentes lavas.

Veio a manhĂŁ e o sol, feroz, risonho,
entrou na minha alcova adormecida,
quebrando o lĂ­rio roxo do meu sonho…

Mas deslumbrou-se… e em rĂşbidos adejos
Ajoelhou-se… e numa luz vencida,
Sorveu… sorveu o mel dos nossos beijos!

Deixai Entrar A Morte

Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.

Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mĂŁos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, nĂŁo encontrou nada!

Ă“ MĂŁe! Ă“ minha MĂŁe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxeste

Pra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lĂ­rio que em má hora foi nascido!…

Eterna Dor

Alma de meu amor, lĂ­rio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.

Ă“ minha mĂŁe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do CĂ©u nĂŁo tĂŞm espinhos,
Quero ir contigo, Ăł lĂ­rio meu celeste!

Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me Ă  terra onde nĂŁo corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe…

Aqui na vida – que tamanha mágoa! –
O prĂłprio olhar de Deus encheu-se d’água…
Ă“ minha mĂŁe, como este mundo Ă© triste!

Ideal Comum

(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).

Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recĂ´nditos, vivazes.

Lembras lĂ­rios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;

E teus seios, olĂ­mpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São como em brumas, solitários rios.

Madalena

…e lhe regou de lágrimas os pĂ©s e os enxugou com os cabelos da sua cabeça. Evangelho de S. Lucas.

Ă“ Madalena, Ăł cabelos de rastos,
LĂ­rio poluĂ­do, branca flor inĂştil…
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dĂşctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
EnsangĂĽentado, enxovalhado, inĂştil,

Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranqĂĽilo, – o fastio da cama…
Ó redenção do mármore anatômico,

Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ă“ Madalena, Ăł cabelos de rastos!

Foederis Arca

VisĂŁo que a luz dos Astros louros trazes,
Papoula real tecida de neblinas
Leves, etéreas, vaporosas, finas,
Com aromas de lĂ­rios e lilazes.

Brancura virgem do cristal das frases,
Neve serene das regiões alpinas,
Willis juncal de mĂŁos alabastrinas,
De fugitivas correções vivazes.

Floresces no meu Verso como o trigo,
O trigo de ouro dentre o sol floresce
E Ă©s a suprema ReligiĂŁo que eu sigo…

O Missal dos Missais, que resplandece,
A igreja soberana que eu bendigo
E onde murmuro a solitária prece!…

Estrada A Fora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mĂŁo conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher nĂŁo cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mĂŁos dadas,
E o berço, Ă s vezes, leva Ă  sepultura…

No coração, – um horto de martĂ­rios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lĂ­rios.

DelĂ­rio Do Som

O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.

Me parecia a mĂşsica do arminho,
O perfume do lĂ­rio que cantava,
A estrela-d’alva que nos cĂ©us entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.

Incomparável, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;

Como as visões olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.

Num Jardim Adornado De Verdura

Num jardim adornado de verdura,
a que esmaltam por cima várias flores,
entrou um dia a deusa dos amores,
com a deusa da caça e da espessura.

Diana tomou logo ĂĽa rosa pura,
VĂ©nus um roxo lĂ­rio, dos milhores;
mas excediam muito Ă s outras flores
as violas, na graça e fermosura.

Perguntam a Cupido, que ali estava,
qual daquelas trĂŞs flores tomaria,
por mais suave, pura e mais fermosa?

Sorrindo se, o Minino lhe tornava:
todas fermosas sĂŁo, mas eu queria
V i o l ‘a n t e s que lĂ­rio, nem que rosa.

Ela Ia, TranqĂĽila Pastorinha

Ela ia, tranqĂĽila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdĂŁo,
O seu rebanho, a saudade minha…

“Em longes terras hás de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vĂŁo…
Seu vulto perde-se na escuridĂŁo…
SĂł sua sombra ante meus pĂ©s caminha…

Deus te dĂŞ lĂ­rios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora _

SĂł sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…

Boca

III

Boca viçosa, de perfume a lírio,
Da lĂ­mpida frescura da nevada,
Boca de pompa grega, purpureada,
Da majestade de um damasco assĂ­rio.

Boca para deleites e delĂ­rio
Da volĂşpia carnal e alucinada,
Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
Tentando Arcanjos na amplidĂŁo do EmpĂ­rio,

Boca de Ofélia morta sobre o lago,
Dentre a auréola de luz do sonho vago
E os faunos leves do luar inquietos…

Estranha boca virginal, cheirosa,
Boca de mirra e incensos, milagrosa
Nos filtros e nos tĂłxicos secretos…