Do Tempo que Fui Livre me Arrependo
O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razĂŁo me salteava.Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, nĂŁo sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.
Sonetos sobre Livres de LuĂs de Camões
9 resultadosLouvado Seja Amor em Meu Tormento
No tempo que de amor viver soĂa,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.Que ardesse n’um sĂł fogo nĂŁo queria
O CĂ©u porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co’o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tĂŁo cansado sofrimento!
Se pena por amar-vos se merece
Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre está? ou quem isento?
Que alma, que razĂŁo, que entendimento
Em ver-vos se nĂŁo rende e obedece?Que mor glĂłria na vida se oferece
Que ocupar-se em vĂłs o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento
Em ver-vos se nĂŁo sente, mas esquece.Mas se merece pena quem amando
ContĂnuo vos está, se vos ofende,
O mundo matareis, que todo é vosso.Em mim, Senhora, podeis ir começando,
Que claro se conhece e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.
Está O Lascivo E Doce Passarinho
Está o lascivo e doce passarinho
com o biquinho as penas ordenando;
o verso sem medida, alegre e brando,
espedindo no rústico raminho;o cruel caçador (que do caminho
se vem calado e manso desviando)
na pronta vista a seta endireitando,
lhe dá no EstĂgio lago eterno ninho.Dest’ arte o coração, que livre andava,
(posto que já de longe destinado)
onde menos temia, foi ferido.Porque o Frecheiro cego me esperava,
para que me tomasse descuidado,
em vossos claros olhos escondido.
Nunca em amor danou o atrevimento
Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe Ă© guia;
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São u~as ilusões que leva o vento.Abrir-se devem passos à ventura;
Sem si próprio ninguém será ditoso;
Os princĂpios somente a Sorte os move.Atrever-se Ă© valor e nĂŁo loucura;
Perderá por cobarde o venturoso
Que vos vĂŞ, se os temores nĂŁo remove.
Que Modo TĂŁo Sutil Da Natureza
Que modo tĂŁo sutil da natureza,
para fugir ao mundo, e seus enganos,
permite que se esconda em tenros anos,
debaixo de um burel tanta beleza!Mas esconder se nĂŁo pode aquela alteza
e gravidade de olhos soberanos,
a cujo resplandor entre os humanos
resistĂŞncia nĂŁo sinto, ou fortaleza.Quem quer livre ficar de dor e pena,
vendo a ou trazendo a na memĂłria,
da mesma razĂŁo sua se condena.Porque quem mereceu ver tanta glĂłria,
cativo há de ficar; que Amor ordena
que de juro tenha ela esta vitĂłria.
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂzo sossegado,
Se o Menino que de olhos Ă© privado
Nas meninas de vossos olhos mora?Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que o vivo lume e o rosto delicado
Imagens sĂŁo nas quais o Amor se adora.Quem vĂŞ que em branca neve nascem rosas
Que fios crespos de ouro vĂŁo cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito trespassando
Assim como um cristal o Sol trespassa.
Imagens sĂŁo adonde Amor se Adora
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂzo sossegado,
Se o Menino, que de olhos Ă© privado,
Nas Meninas dos vossos olhos mora?Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que vivo lume, e o rosto delicado,
Imagens sĂŁo adonde Amor se adora.Quem vĂŞ que em branca neve nascem rosas
Que crespos fios de ouro vĂŁo cercando?
Se por entre esta luz a vista passa,Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito traspassando,
Assim como um cristal o Sol traspassa.
Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta
Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.