Sonetos sobre Luz de Cruz e Souza

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Musica Misteriosa

Tenda de Estrelas níveas, refulgentes,
Que abris a doce luz de alampadários,
As harmonias dos Estradivarius
Erram da Lua nos clarões dormentes…

Pelos raios fluídicos, diluentes
Dos Astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de místicos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes…

Cânticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos Azuis etéreos,
Dentre os nevoeiros do luar fluindo…

E vai, de Estrela a Estrela, a luz da Lua,
Na láctea claridade que flutua,
A surdina das lágrimas subindo…

Chegou Enfim, E O Desembarque Dela

Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressão divina!
É meiga, pura como sã bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!

É graciosa, sacudida e bela,
Não tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gênio que seduz, fascina,
Tão atraente, singular é ela!

Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!

Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!

No Campo

Acordo de manhã cedo
Da luz aos doces carinhos:
Que rosas pelos caminhos!
Que rumor pelo árvoredo!

Para o azul radioso e ledo
Sobe, de dentro dos ninhos,
O canto dos passarinhos
Cheio de amor e segredo.

Dentre moitas de verdura
Voam as pombas nevadas,
Imaculadas de alvura.

Pelas margens das estradas
Que penetrante frescura
Que femininas risadas!

Foederis Arca

Visão que a luz dos Astros louros trazes,
Papoula real tecida de neblinas
Leves, etéreas, vaporosas, finas,
Com aromas de lírios e lilazes.

Brancura virgem do cristal das frases,
Neve serene das regiões alpinas,
Willis juncal de mãos alabastrinas,
De fugitivas correções vivazes.

Floresces no meu Verso como o trigo,
O trigo de ouro dentre o sol floresce
E és a suprema Religião que eu sigo…

O Missal dos Missais, que resplandece,
A igreja soberana que eu bendigo
E onde murmuro a solitária prece!…

Judia

Ah! Judia! Judia impenitente!
De erma e de turva região sombria
De areia fulva, bárbara, inclemente,
Numa desolação, chegaste um dia…

Través o céu mais tórrido, mais quente,
Onde a luz mais flamívoma radia,
A voz dos teus, nostálgica, plangente,
Vibrou, chorou, clamou por ti, Judia!

Ave de melancólicos mistérios,
Ruflaste as asas por Azuis sidérios,
Ébria dos vícios célebres que salvam…

Para alguns corações que ainda te buscam
És como os sóis que rútilos coruscam
E a torva terra do deserto escalvam!

Harpas Eternas

Hordas de Anjos titânicos e altivos,
Serenos, colossais, flamipotentes,
De grandes asas vívidas, frementes,
De formas e de aspectos expressivos.

Passam, nos sóis da Glória redivivos,
Vibrando as de ouro e de Marfim dolentes,
Finas harpas celestes, refulgentes,
Da luz nos altos resplendores vivos

E as harpas enchem todo o imenso espaço
De um cântico pagão, lascivo, lasso,
Original, pecaminoso e brando…

E fica no ar, eterna, perpetuada
A lânguida harmonia delicada
Das harpas, todo o espaço avassalando.

25 De Março

25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o Ceará

Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na órbita traçada — de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciência — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de heróis — presentes pelo dorso
À rubra luz da glória — enquanto voa e zumbe.

O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.

Impassível

Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um só dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.

A Imensidade nunca mais quer vê-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.

Santos Óleos

Com os santos óleos de que vens ungido
Podes andar no mundo sem receio.
Quem veio para a Luz, por certo veio
Para ser valoroso e ser temido.

Que tudo é embalde, tudo em vão, perdido
Quando se traz esse divino anseio,
Esse doce tranporte ou doce enleio
Que deixa tudo e tudo confundido.

A Alma que comop a vela chega ao porto
Sente o melhor, consolador conforto
E a asa nas asas dos Arcanjos toca…

Os santos óleos são a luz guiadora
Que vigia por ti na pecadora
Terra e o teu mundo celestial evoca

Na Luz

De soluço em soluço a alma gravita,
De soluço em soluço a alma estremece,
Anseia, sonha, se recorda, esquece
E no centro da Luz dorme contrita.

Dorme na paz sacramental, bendita,
Onde tudo mais puro resplandece,
Onde a Imortalidade refloresce
Em tudo, e tudo em cânticos palpita.

Sereia celestial entre as sereias,
Ela só quer despedaçar cadeias,
De soluço em soluço, a alma nervosa.

Ela só quer despedaçar algemas
E respirar nas amplidões supremas,
Respirar, respirar na Luz radiosa.

Surdinas

Às raparigas tristes

Vais partir, vais partir que eu bem te vejo
Na branca face os gélidos suores,
Vais procurar as musicas melhores
Do sol, da glória e do celeste beijo.

Dentro de ti harpas do desejo
Não vibram mais — embora que tu chores —
Nem pelas tuas aflições maiores
Se escuta um vago e enfraquecido arpejo…

Bem! vais partir, vais demandar esferas
Amplas de luz, feitas de primaveras,
Paisagens novas e amplidão florida…

Mas ao chegar-te a lágrima infinita,
Lembra-te ainda, ó pálida bonita
De que houve alguém que te adorou na vida.

Estas Risadas

Estas risadas límpidas e frescas
Que Pan trauteia em cálamos maviosos
Nesta amplidão dos campos verdurosos,
Nestas paisagens flóreas, pitorescas;

Toda esta pompa e gala principescas
Destas searas, destes altanosos
Montes e várzeas, prados vigorosos,
Louros — talvez como as visões tudescas;

Este luxuoso e rico paramento,
Feito de luz e de deslumbramento
— Do grande altar da natureza imensa.

Aguarda o poeta sacerdote augusto,
Para cantar no seu missal robusto,
A nova Missa da razão que pensa…

A Grande Sede

Se tens sede de Paz e d’Esperança,
Se estás cego de Dor e de Pecado,
Valha-te o Amor, ó grande abandonado,
Sacia a sede com amor, descansa.

Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
Do Amor e ficarás desafogado,
Hás de ver tudo claro, iluminado
Da luz que uma alma que tem fé alcança.

O coração que é puro e que é contrito,
Se sabe ter doçura e ter dolência
Revive nas estrelas do Infinito.

Revive, sim, fica imortal, na essência
Dos Anjos paira, não desprende um grito
E fica, como os Anjos, na Existência.

Grande Amor

Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trêmulas enlaça…
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.

Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.

Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido…

Selo perpétuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.

Verônica

Não a face do Cristo, a macilenta
Face do Cristo, a dolorosa face…
O martírio da Cruz passou fugace
E este Martírio, esta Paixão é lenta.

Um vivo sangue a face te ensangüenta,
Mais vivo que se o Deus o derramasse;
Porque esta vã paixão, para que passe,
É mister dos Titãs a luta incruenta.

Se tu, Visão da Luz, Visão sagrada
Queres ser a Verônica sonhada,
Consoladora dessa dor sombria

Impressa ficara no teu sudário
Não a face do Cristo do Calvário
Mas a face convulsa da Agonia!

Guerra Junqueiro

Quando ele do Universo o largo supedâneo
Galgou como os clarões — quebrando o que não serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crânio,
As gemas da razão e os músculos da verve;

Quando ele esfuziou nos páramos as trompas,
As trompas marciais — as liras do estupendo,
Pejadas de prodígios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporções, crescendo e recrescendo;

Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular — rasgando das misérias
O ventre do Ideal na forte hematemese.

Clamando — é minha a luz, que o século propague-a,
Quando ele avassalou os píncaros da águia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!

Irradiações

Às crianças

Qual da amplidão fantástica e serena
À luz vermelha e rútila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cândida açucena.

Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lágrima sonora
Caia, rolou, qual bálsamo que irrora
A negra mágoa, a indefinida pena…

Caia por vós, esplêndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;

Caia por vós, as músicas formosas,
Como um dilúvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!

Auréola Equatorial

A Teodoreto Souto

Fundi em bronze a estrofe augusta dos prodígios,
Poetas do Equador, artísticos Barnaves;
Que o facho — Abolição — rasgando as nuvens graves
De raios e bulcões — triunfa nos litígios!

— O rei Mamoud, o Sol, vibrou p’raquelas bandas
do Norte — a grande luz — elétrico, explodindo,
Assim como quem vai, intrépido, subindo
À luz da idade nova — em claras propagandas.

— Os pássaros titãs nos seus conciliábulos,
— Chilreiam, vão cantando em místicos vocábulos,
Alargam-se os pulmões nevrálgicos das zonas;

Abri alas, abri! — Que em túnica de assombros,
Irá passar por vós, com a Liberdade aos ombros,
Como um colosso enorme o impávido Amazonas!

Boca

III

Boca viçosa, de perfume a lírio,
Da límpida frescura da nevada,
Boca de pompa grega, purpureada,
Da majestade de um damasco assírio.

Boca para deleites e delírio
Da volúpia carnal e alucinada,
Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
Tentando Arcanjos na amplidão do Empírio,

Boca de Ofélia morta sobre o lago,
Dentre a auréola de luz do sonho vago
E os faunos leves do luar inquietos…

Estranha boca virginal, cheirosa,
Boca de mirra e incensos, milagrosa
Nos filtros e nos tóxicos secretos…

Alma Que Chora

A João Saldanha

Em vão do Cristo aos olhos dulçurosos
Onde há o sol do bem e da verdade,
Cheios da luz eterna de saudade,
Como dois mansos corações piedosos,

Em vão do Cristo os olhos lacrimosos
E aquela doce e pura suavidade
Do seu semblante, casto, de bondade,
Cor do luar dos sonhos venturosos,

Servem de exemplo a dor escruciante
Que te apunhala e fere a cada instante,
A punhaladas ríspidas, austeras!

Viste partir a tua irmã, se, viste,
Como num céu enévoado e triste
O bando azul das fúlgidas quimeras…