Soneto XVII
A Pero de Maris sobre o seu livro
Sentindo-se de força e vigor falta,
Mal a que o tempo enfim todos condena,
Renovar-se outra vez a Águia ordena,
Abre as asas ao Sol, e as nuvens salta.Depois que lá se vê soberba e alta,
Lança-se ao mar com fúria não pequena,
E caindo-lhe a velha e antiga pena,
De nova glória se reveste e esmalta.Mar sois Maris, a língua lusitana
É esta Águia, que antiga se renova
E os ares sobre todas livre raia.Temo-lhe o caso de Ícaro de ufana;
Mas se do Sol queimada em mar o prova,
Será para que sempre nova saia.
Sonetos sobre Mal
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Ai de mim! como estou tão descuidado!
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo o trasmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!Ouço o rumor que faz desaforado
O lobo nos redis; ouço o sucesso
Da ovelha, do pastor; e desconheço
Não menos, do que ao dono, o mesmo gado:Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indeciso,
Ao ver, quanto em meu dano se executa.Um pouco apenas meu pesar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta;
Que triste alívio! ah infeliz Daliso!
À Morte
Os correos da morte são chegados,
Por caminhos antigos, impedidos,
Mal com meus olhos, mal com meus ouvidos,
Mal com meus pés, do chão mal levantados.E mal, por não chorar bem meus pecados,
Que sendo sete, e cinco, meus sentidos,
Por serem tantas vezes repetidos,
Impossível será serem contados.Se não viera a morte acompanhada
Da conta, que dar devo tão estreita,
Não fora tão penosa imaginada.Mas a que vivo ou morto tenho feita,
Tenho com meu Senhor na cruz pregada,
Onde o ladrão contrito não se enjeita.
Sorrio
Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial…Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal…Era sestro da idade essa existência…
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho… e pouca experiência…Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
– sorrio… Um vão sorriso de indulgência…
…Sinal de muita vida… e pouco sonho…
Exaltação Ao Amor
Sofro, bem sei…Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar…colher a flor…Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco, talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor…com o meu Amor!Nada me impedirá que seja meu,
se é fogo que em meu peito se acendeu,
e lavra, e cresce, e me consome o Ser…Deus o pôs…Ninguém mais há de dispor…
Se esse amor não puder ser meu viver,
há de ser meu para eu morrer de Amor!
Soneto XXXIII
Nunca se viu tão duro coração
Que sentindo chorar não distilasse
Lágrimas fervorosas, nem mostrasse
Que tinha do que via compaixão.Não espalhou Orfeu seus ais em vão,
Mas antes acabara que chorasse,
E que outro novo pranto levantasse,
Quem nunca se doera de aflição.Como não chorará com larga veia
Meu mal quem mo causou, e pouco o estima,
Pois chorá-lo te vê tão tristemente,Sendo mui natural que mais lastima
Quem chora como sua a pena alheia,
Que quem a pena própria chora, e sente.
Se Tomar Minha Pena Em Penitência
Se tomar minha pena em penitência
do erro em que caiu o pensamento,
não abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciência.E se üa cor de morto na aparência,
um espalhar suspiros vãos ao vento,
em vós não faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciência.E se de qualquer áspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);e se em vós não s’entende haver vingança,
será forçado (pois Amor me obriga)
que eu só de vossa culpa pague a pena.
Em Amor não há Senão Enganos
Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tão cedo;
Eu morro e não vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.Escritos para sempre já ficais
Onde vos mostrarão todos co’o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor não há senão enganos.
A Germano Meireles
Só males são reais, só dor existe:
Prazeres só os gera a fantasia;
Em nada[, um] imaginar, o bem consiste,
Anda o mal em cada hora e instante e dia.Se buscamos o que é, o que devia
Por natureza ser não nos assiste;
Se fiamos num bem, que a mente cria,
Que outro remédio há [aí] senão ser triste?Oh! Quem tanto pudera que passasse
A vida em sonhos só. E nada vira…
Mas, no que se não vê, labor perdido!Quem fora tão ditoso que olvidasse…
Mas nem seu mal com ele então dormira,
Que sempre o mal pior é ter nascido!
Marília De Dirceu
Soneto 9
Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
Por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
Ainda não deixais tão vil traidora?Não haja piedade; sinta agora
A dita sem remédio em mal trocada:
Pois, se assim não sucede, fica ousada
Para ser outra vez enganadora.Vingai, ó justos céus…, mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? – O sentimento
Privou-me do discurso; eu me desdigo.Não, não vibreis o raio violento;
Pois se que a compaixão do seu castigo
Há de aumentar depois o meu tormento.
Pôs-se o Sol
Pôs-se o sol… Como já na sombra feia
Do dia pouco a pouco a luz desmaia,
E a parda mão da noite, antes que caia,
De grossas nuvens todo o ar semeia!Apenas já diviso a minha aldeia;
Já do cipreste não distingo a faia.
Tudo em silêncio está; só lá na praia
Se ouvem quebrar as ondas pela areia.Co’a mão na face, a vista ao céu levanto;
E cheio de mortal melancolia,
Nos tristes olhos mal sustenho o pranto.E se inda algum alívio ter podia,
Era ver esta noite durar tanto
Que nunca mais amanhecesse o dia!
Contra Os Plebeus E Néscios Do Brasil.
Que me quer o Brasil, que me persegue?
Que me querem pasguates, que me invejam?
Não vêem que os entendidos me cortejam?
E que os nobres é gente que me segue?Com seu ódio a canalha que consegue?
Com sua inveja os néscios que motejam?
Se quando os néscios por meu mal mourejam,
fazem os sábios que a meu mal me entregue?Isto posto, ignorantes e canalha,
se ficam por canalha, e ignorantes
no rol das bestas a roerem palha.E se os senhores nobres e elegantes
não querem que o soneto vá de valhas,
não vá, que tem terríveis consoantes.
LXXXI
Junto desta corrente contemplando
Na triste falta estou de um bem que adoro;
Aqui entre estas lágrimas, que choro,
Vou a minha saudade alimentando.Do fundo para ouvir-me vem chegando
Das claras hamadríades o coro;
E desta fonte ao murmurar sonoro,
Parece, que o meu mal estão chorando.Mas que peito há de haver tão desabrido,
Que fuja à minha dor! que serra, ou monte
Deixará de abalar-se a meu gemido!Igual caso não temo, que se conte;
Se até deste penhasco endurecido
O meu pranto brotar fez uma fonte.
Nascerão Saudades de Meu Bem
Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de cristal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;Silvestres montes, ásperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.E pois já me não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.
Serpente De Cabelos
A tua trança negra e desmanchada
Por sobre o corpo nu, torso inteiriço,
Claro, radiante de esplendor e viço,
Ah! lembra a noite de astros apagada.Luxúria deslumbrante e aveludada
Através desse mármore maciço
Da carne, o meu olhar nela espreguiço
Felinamente, nessa trance ondeada.E fico absorto, num torpor de coma,
Na sensação narcótica do aroma,
Dentre a vertigem túrbida dos zeros.És a origem do Mal, és a nervosa
Serpente tentadora e tenebrosa,
Tenebrosa serpente de cabelos!…
Memória De Meu Bem, Cortado Em Flores
Memória de meu bem, cortado em flores
por ordem de meus tristes e maus Fados,
deixai-me descansar com meus cuidados
nesta inquietação de meus amores.Basta-me o mal presente, e os temores
dos sucessos que espero infortunados,
sem que venham, de novo, bens passados
afrontar meu repouso com suas dores.Perdi nua hora quanto em termos
tão vagarosos e largos alcancei;
leixai-me, pois, lembranças desta glória.Cumpre acabe a vida nestes ermos,
porque neles com meu mal acabarei
mil vidas, não ua só, dura memória!
Se me vem tanta glória só de olhar-te
Se me vem tanta glória só de olhar-te,
É pena desigual deixar de ver-te;
Se presumo com obras merecer-te,
Grão paga de um engano é desejar-te.Se aspiro por quem és a celebrar-te,
Sei certo por quem sou que hei-de ofender-te;
Se mal me quero a mim por bem querer-te,
Que prémio querer posso mais que amar-te?Porque um tão raro amor não me socorre?
Ó humano tesouro! Ó doce glória!
Ditoso quem à morte por ti corre!Sempre escrita estarás nesta memória;
E esta alma viverá, pois por ti morre,
Porque ao fim da batalha é a vitória.
Soneto
Agora é tarde para novo rumo
Dar ao sequioso espírito; outra via
Não terei de mostrar-lhe e à fantasia
Além desta em que peno e me consumo.Aí, de sol nascente a sol a prumo,
Deste ao declínio e ao desmaiar do dia,
Tenho ido empós do ideal que me alumia,
A lidar com o que é vão, é sonho, é fumo.Aí me hei de ficar até cansado
Cair, inda abençoando o doce e amigo
Instrumento em que canto e a alma me encerra;Abençoando-o por sempre andar comigo
E bem ou mal, aos versos me haver dado
Um raio do esplendor de minha terra.
Soneto XXIX
Que mal é este meu tão diferente?
Não é dos males grandes natureza
Ou se acabarem logo sem firmeza,
Ou acabarem logo a quem os sente?Seu natural custume não consente
Minha ventura, pois minha fraqueza
Como dura: do mal tem fortaleza
Por mais tempo sentir meu acidente.Sou qual Fénix que morre e ressuscita,
Ou como Prometeu que lá se queixa,
E por sentir mais dor se não consume.Não dizem que o costume e tempo incita
A não sentir-se a dor: té nisto deixa
O tempo, e o custume, seu custume.
Mais Alto
Mais alto, sim! Mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quemO mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível
Turris Eburnea erguida nos espaços,
À rutilante luz dum impossível!Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!