Sonetos sobre Mar de Antero de Quental

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Sonetos de mar de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

Abnegação

Chovam lírios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glória na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!

Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!

E nem sequer te lembres de que eu choro…
Esquece até, esquece, que te adoro…
E ao passares por mim, sem que me olhes,

Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraída ou rindo esfolhes!

Despondency

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!

Redenção

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…

Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão…
E acabará por fim vosso tormento.

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O Que Diz A Morte

Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem…

Em mim, os Sofrimentos que não saram,
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. –

Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,

É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.

Tormanto do Ideal

Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a côr, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre.

Pedindo à fórma, em vão, a idea pura,
Tropéço, em sombras, na materia dura.
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as fórmas incompletas
Para sempre fiquei palido e triste.

Justitia Mater

Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:

No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
D’um deus que luta, poderoso e inculto.

Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue medida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,

Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da história,
Os combates eternos da Justiça!

Na Mão de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

Luta

Fluxo e refluxo eterno…
João de Deus.

Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas…

Mas a mim, cheia de atracções divinas,
Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!

Insondável problema!… Apavorado
Recúa o pensamento!… E já prostrado
E estúpido á força de fadiga,

Fito inconsciente as sombras visionárias,
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.

A um Poeta

Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções…
Mas de guerra… e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

Homo

Nenhum de vós ao certo me conhece,
Astros do espaço, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece…

Ninguém sabe quem sou… e mais, parece
Que há dez mil anos já, neste degredo,
Me vê passar o mar, vê-me o rochedo
E me contempla a aurora que alvorece…

Sou um parto da Terra monstruoso;
Do húmus primitivo e tenebroso
Geração casual, sem pai nem mãe…

Misto infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satanás; — talvez um filho
Bastardo de Jeová; — talvez ninguém!

Lamento

Um diluvio de luz cae da montanha:
Eis o dia! eis o sol! o esposo amado!
Onde ha por toda a terra um só cuidado
Que não dissipe a luz que o mundo banha?

Flor a custo medrada em erma penha,
Revolto mar ou golfo congelado,
Aonde ha ser de Deus tão olvidado
Para quem paz e alivio o céo não tenha?

Deus é Pae! Pae de toda a creatura:
E a todo o ser o seu amor assiste:
De seus filhos o mal sempre é lembrado…

Ah! se Deus a seus filhos dá ventura
N’esta hora santa… e eu só posso ser triste…
Serei filho, mas filho abandonado!

Sepultura Romântica

Ali, onde o mar quebra, n’um cachão
Rugidor e monótono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se há-de enterrar meu coração.

Queimem-no os sóis da adusta solidão
Na fornalha do estio, em dias lentos;
Depois, no inverno, os sopros violentos
Lhe revolvam em torno o árido chão…

Até que se desfaça e, já tornado
Em impalpavel pó, seja levado
Nos turbilhões que o vento levantar…

Com suas lutas, seu cansado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
D’esse infecundo, d’esse amargo mar!

Quinze Anos

Eu amo a vasta sombra das montanhas,
Que estendem sobre os largos continentes
Os seus braços de rocha negra, ingentes,
Bem como braços colossais aranhas.

D’ali o nosso olhar vê tão estranhas
Coisas, por esse céu! e tão ardentes
Visões, lá n’esse mar de ondas trementes!
E às estrelas, d’ali, vê-as tamanhas!

Amo a grandeza misteriosa e vasta…
A grande ideia, como a flor e o viço
Da árvore colossal que nos domina…

Mas tu, criança, sê tu boa… e basta:
Sabe amar e sorrir… é pouco isso?
Mas a ti só te quero pequenina!

Nocturno

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento…

Como um canto longínquo – triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento…

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!

Oceano Nox

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente…

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais…

Voz Interior

(A João de Deus)

Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…

Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…

Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém…

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!

Ignotus

(A Salomão Sáragga)

Onde te escondes? Eis que em vão clamamos,
Suspirando e erguendo as mãos em vão!
Já a voz enrouquece e o coração
Está cansado — e já desesperamos…

Por céu, por mar e terras procuramos
O Espírito que enche a solidão,
E só a própria voz na imensidão
Fatigada nos volve… e não te achamos!

Céus e terra, clamai, aonde? aonde? —
Mas o Espírito antigo só responde,
Em tom de grande tédio e de pesar:

— Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade,
Que eu mesmo, desde toda a eternidade,
Também me busco a mim… sem me encontrar!

Idílio

Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;

Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:

Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalideces

O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.

Sonho Oriental

Sonho-me às vezes rei, n’alguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha…

O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente…
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha…

E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto n’um cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descanças debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.