Sonetos sobre Mar de Charles Baudelaire

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Sonetos de mar de Charles Baudelaire. Leia este e outros sonetos de Charles Baudelaire em Poetris.

Esterilidade

Ao vĂȘ-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles rĂ©pteis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno d’uma lança.

Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
InsensĂ­vel Ă  dor, ao sofrimento humano.

Seus olhos tĂȘem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,

Onde tudo Ă© fulgor, ouro, metais, diamantes
VĂȘ-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda — essa inutilidade!

Tradução de Delfim Guimarães

Os Mochos

Sob os feixos onde habitam,
Os mochos formam em filas;
Fugindo as rubras pupilas,
Mudos e quietos, meditam.

E assim permanecerĂŁo
Até o Sol se ir deitar
No leito enorme do mar,
Sob um sombrio edredĂŁo.

Do seu exemplo, tirai
Proveitoso ensinamento:
— Fugí do mundo, evitai

O bulĂ­cio e o movimento…
Quem atrĂĄs de sombras vai,
SĂł logra arrependimento!

Tradução de Delfim Guimarães

ObsessĂŁo

Os bosques para mim sĂŁo como catedrais,
Com orgĂŁos a ulular, incutindo pavor…
E os nossos coraçÔes, – jazidas sepulcrais,
De profundis tambĂ©m soluçam, n’um clamor.

Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh’alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.

Ai! como eu te amaria, Ăł Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!

Que a própria escuridão é tambem uma téia,
Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares.
Os entes que perdi, – espectros familiares!

Tradução de Delfim Guimarães

A MĂșsica

A mĂșsica p’ra mim tem seduçÔes de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pĂĄlida estrela a demandar!

O peito saliente, os pulmÔes distendidos
Como o rijo velame d’um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;

Sinto vibrar em mim todas as comoçÔes
D’um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsÔes

Conseguem a minh’alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrĂ­vel me exaspera!

Tradução de Delfim Guimarães

A Vida Anterior

Longos anos vivi sob um pĂłrtico alto
De gigantes pilares, nobres, dominadores,
Que a luz, vinda do mar, esmaltava de cores,
Tornando-o semelhante Ă s grutas de basalto.

Chegavam até mim os ecos da harmonia
Do orfeĂŁo colossal das ondas chamejantes,
Ligando a sua voz Ă s tintas deslumbrantes
Da luz crepuscular que em meus olhos fugia.

Em meio do esplendor do céu, do mar, dos lumes,
Foi-me dado gozar, voluptuosas calmas!
Escravos seminus, rescendendo perfumes,

Minha fronte febril refrescavam com palmas,
E tinham por missĂŁo apenas descobrir
A misteriosa dor que eu andava a carpir

Tradução de Delfim Guimarães