Sonetos sobre Mar de Luís de CamÔes

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Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga

Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o CĂ©u conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;

comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memĂłria, que suspira,
sĂł por fazer convosco eterna liga.

Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tĂŁo viva vos terei, que frio e fome
vos nĂŁo possam tirar, nem vĂŁos perigos.

Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vĂłs, sĂł com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.

A Fermosura Fresca Serra

A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me estĂĄ (se nĂŁo te vejo) magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.

Julga-Me A Gente Toda Por Perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
vendo-me, tĂŁo entregue a meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado,
e dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
e quase que sobre ele ando dobrado,
tenho por baixo, rĂșstico, enganado,
quem nĂŁo Ă© com meu mal engrandecido.

VĂŁo revolvendo a terra, o mar e o vento,
busquem riquezas, honras a outra gente,
vencendo ferro, fogo, frio e calma;

que eu sĂł em humilde estado me contento,
de trazer esculpido eternamente
vosso fermoso gesto dentro n’alma.

Como Quando Do Mar Tempestuoso

Como quando do mar tempestuoso
o marinheiro, lasso e trabalhado,
d’um naufrĂĄgio cruel jĂĄ salvo a nado,
sĂł ouvir falar nele o faz medroso;

e jura que em que veja bonançoso
o violento mar, e sossegado
não entre nele mais, mas vai, forçado
pelo muito interesse cobiçoso;

Assi, Senhora eu, que da tormenta,
de vossa vista fujo, por salvar me,
jurando de nĂŁo mais em outra ver me;

minh’alma que de vĂłs nunca se ausenta,
då me por preço ver vos, faz tornar me
donde fugi tĂŁo perto de perder me.

Jurando de nĂŁo Mais em Outra Ver-me

Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De um naufrĂĄgio cruel saindo a nado,
SĂł de ouvir falar nele estĂĄ medroso;

Firme jura que o vĂȘ-lo bonançoso
Do seu lar o nĂŁo tire sossegado;
Mas esquecido jĂĄ do horror passado,
Dele a fiar se torna cobiçoso;

Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de nĂŁo mais em outra ver-me;

Com a alma que de vĂłs nunca se ausenta,
Me torno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tĂŁo perto de perder-me.

Julga-me a gente toda por perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tĂŁo entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rĂșstico, enganado
Quem nĂŁo Ă© com meu mal engrandecido.

VĂĄ revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;

Que eu sĂł em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.

O CĂ©u, A Terra, O Vento Sossegado

O cĂ©u, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silĂȘncio repousado…

O pescador AĂłnio, que, deitado
onde co vento a ĂĄgua se meneia,
chorando, o nome amado em vĂŁo nomeia,
que nĂŁo pode ser mais que nomeado:

Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tĂŁo cedo
me fizestes Ă  morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Ah! Imiga Cruel, Que Apartamento

Ah! imiga cruel, que apartamento
Ă© este que fazeis da pĂĄtria terra?
Quem do paterno ninho vos desterra,
glĂłria dos olhos, bem do pensamento?

Is tentar da fortuna o movimento
e dos ventos cruéis a dura guerra?
Ver brenhas d’ĂĄgua, e o mar feito em serra,
levantado de um vento e d’outro vento?

Mas jĂĄ que vos partis, sem vos partirdes,
para convosco o CĂ©u tanta ventura,
que seja mor que aquela que esperardes.

E sĂł nesta verdade ide segura:
que ficam mais saudades com partirdes,
do que breves desejos de chegardes.

Não Pode Tirar-me as Esperanças

Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirarĂĄ o que eu nĂŁo tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas conquanto nĂŁo pode haver desgosto
Onde esperança falta, lå me esconde
Amor um mal, que mata e nĂŁo se vĂȘ.

Que dias hĂĄ que na alma me tem posto
Um nĂŁo sei quĂȘ, que nasce nĂŁo sei onde;
Vem nĂŁo sei como; e dĂłi nĂŁo sei porquĂȘ.

Seguia Aquele Fogo, Que O Guiava

Seguia aquele fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
as forças lhe faltavam jå e o alento,
Amor lhas refazia e renovava.

Despois que viu que a alma lhe faltava,
nĂŁo esmorece; mas, no pensamento,
(que a lĂ­ngua jĂĄ nĂŁo pode) seu intento
ao mar que lho cumprisse, encomendava.

Ó mar (dezia o moço só consigo),
jå te não peço a vida; só queria
que a de Hero me salves; nĂŁo me veja…

Este meu corpo morto, lĂĄ o desvia
daquela torre. SĂȘ me nisto amigo,
pois no meu maior bem me houveste enveja!

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem nĂŁo deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, jĂĄ nĂŁo posso ver-te,
TĂŁo asinha esta vida desprezaste!

Como jĂĄ pera sempre te apartaste
De quem tĂŁo longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que nĂŁo visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tĂŁo cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

Quem Quiser Ver D’amor Üa ExcelĂȘncia

Quem quiser ver d’Amor ĂŒa excelĂȘncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me pÔe minha ventura,
por ter de minha fĂ© experiĂȘncia.

Onde lembranças mata a longa ausĂȘncia,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade estĂĄ segura,
quando mor risco corre a paciĂȘncia.

Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;

Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂ­ngua o nome, n’alma a vista pura.

Doces Águas E Claras Do Mondego

Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo apĂłs si me trouxe cego;

de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.

Ilustre O Dino Ramo Dos Meneses

Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo CĂ©u
(que errar nĂŁo sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;

desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.

Oprimi com tĂŁo firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.

Dai nova causa Ă  cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja sĂł co sangue de Turquia!

No Mundo Poucos Anos, E Cansados

No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tĂŁo cedo a luz do dia escura,
que nĂŁo vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, nĂŁo quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
pĂĄtria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,

me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na AbĂĄssia fera e avara,
tĂŁo longe da ditosa pĂĄtria minha!