Sonetos sobre Mar

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Sonetos de mar escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto X

Quais no soberbo mar à nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebálios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,

Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que não tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.

Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no Céu faz ua, e outra estrela.

Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em ódio dela.

Julga-me a gente toda por perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.

Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;

Que eu só em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.

Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

O Mar Da Minha Aldeia É Doce E Calmo

O mar da minha aldeia é doce e calmo
mas se alimenta no sal dos meus olhos.
Não é azul e reza em negro salmo
quando essas águas tragam o fumo eólio

As almas que o conhecem palmo a palmo
sabem do escasso peixe em seu espólio
Ah, várzeas alagadas! Onda e espasmo
nessas barrigas d’águas-promontórios

Crianças se alimentam dessa argila
em cuias com chibé de mandioca
farinha de um maná que a fé ventila

Do barro vem barroca que se espoca
na lama de uma origem que destila
febres palustres, fome que se estoca

Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas

Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao pólo em serras escumosas;

Ó benignas manhãs!, tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!

Voltai, retrocedei, formosos dias:
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;

E ao ver-te sentirá minha alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias,
Da estação que remoça a natureza.

Um Dia Guttemberg

Um dia Guttemberg c’o a alma aos céus suspensa,
Pegou do escopro ingente e pôs-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!

Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pó, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o céu, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrível treva densa!…

Ergueram-se mil povos ao som das melopéias,
Das grandes cavatinas olímpicas da arte!
Raiou o novo sol das fúlgidas idéias!…

Porém, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…

Na Mão de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

Desejos Vãos

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…

Soneto do amor difícil

A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa…

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de súbito surgido à flor dos limos.

E deste amor difícil só nasceu
desencanto na curva do teu céu.

Está Cheio De Ti Meu Coração

Está cheio de ti meu coração
como a noite de estrelas está cheia,
tão cheia, que ao se olhar para a amplidão
o olhar de luz se inunda e se incendeia…

Está cheio de ti meu coração
como de ondas o mar que o dorso alteia,
como a praia que estende sobre o chão
milhões de grãos do seu lençol de areia…

Está cheio de ti meu coração,
como uma taça, erguida, transbordante,
num momento de amor e de emoção,

– como o meu canto enquanto eu viva e eu cante
como o meu pensamento a todo instante
está cheio de ti meu coração!

Soneto XXV

Do bravo mar onde às voltas ando
Ora temendo as ondas, ora o vento,
Na esperança maior de salvamento,
A minha barca vai à costa dando.

Pus os olhos na costa, imaginando
Achar remanso de pirigo isento,
Vendo, porém, frustrado o pensamento,
Louvo o mar já demais seguro e brando.

Ai fementido amor, amor tirano,
Que onde minha esperança tinha posta
Me trouxeste a fazer naufrágio amargo.

Porém ainda comigo foste humano,
Que mais quero perder-me dando à costa,
Que andar com mil temores em mar largo.

XLIX

Os olhos tendo posto, e o pensamento
No rumo, que demanda, mais distante;
As ondas bate o Grego Navegante,
Entregue o leme ao mar, a vela ao vento

Em vão se esforça o harmonioso acento
Da sereia, que habita o golfo errante;
Que resistindo o espírito constante,
Vence as lisonjas do enganoso intento.

Se pois, ninfas gentis, rompe a Cupido
O arco, a flecha, o dardo, a chama acesa
De um peito entre os heróis esclarecido;

Que vem buscar comigo a néscia empresa,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido,
Sei vencer os encantos da beleza!

San Gabriel II

Vem conduzir as naus, as caravelas,
Outra vez, pela noite, na ardentia,
Avivada das quilhas. Dir-se-ia
Irmos arando em um montão de estrelas.

Outra vez vamos! Côncavas as velas,
Cuja brancura, rútila de dia,
O luar dulcifica. Feeria
Do luar não mais deixes de envolvê-las!

Vem guiar-nos, Arcanjo, à nebulosa
Que do além mar vapora, luminosa,
E à noite lactescendo, onde, quietas,

Fulgem as velhas almas namoradas…
– Almas tristes, severas, resignadas,
De guerreiros, de santos, de poetas.

Luta

Fluxo e refluxo eterno…
João de Deus.

Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas…

Mas a mim, cheia de atracções divinas,
Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!

Insondável problema!… Apavorado
Recúa o pensamento!… E já prostrado
E estúpido á força de fadiga,

Fito inconsciente as sombras visionárias,
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.

A um Poeta

Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções…
Mas de guerra… e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

Noites Amadas

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua…

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

Barco Perdido

Oh! a vida é uma grande renúncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, é que às vezes, a vida
de renúncia em renúncia aos poucos vai embora…

Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…

No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…

Velas rôtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…

O Céu, A Terra, O Vento Sossegado

O céu, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silêncio repousado…

O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:

Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Soneto VI

Qual naufragante mísero que cai
Da rota barca no soberbo pego,
E, lidando c’os braços sem sossego,
A cada onda receia que desmaie,

Tal, sem ter já lugar onde se espraie
Neste mar de meu mal, cansado e cego
Ando, aqui desfaleço, ali me anego,
E a cada encontro seu [a] alma me sai.

Em meio de mil barcas clamo, e brado:
“Me lancem por piedade um cabo forte!”,
Mas a ninguém magoa meu cuidado.

Ah, não queirais que vida tal se corte
Que se vida me dais, ganhais dobrado,
Livrando muitas vidas de ua morte.