Sonetos sobre Medo de Florbela Espanca

4 resultados
Sonetos de medo de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Para QuĂŞ?

Ao velho amigo JoĂŁo

Para quĂŞ ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angĂşstia estranha

E todo este feitiço e este enredo
Do nosso prĂłprio peito? E Ă© tamanha
E tĂŁo profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?

Pra que ser asa quando a gente voa,
De que serve ser cântico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?

Para quĂŞ ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vĂŁo nas sĂ­labas dum verso?

Noite Trágica

O pavor e a angĂşstia andam dançando…
Um sino grita endechas de poentes…
Na meia-noite d´hoje, soluçando,
Que presságios sinistros e dolentes!…

Tenho medo da noite!… Padre nosso
Que estais no cĂ©u… O que minh´alma teme!
Tenho medo da noite!… Que alvoroço
Anda nesta alma enquanto o sino geme!

Jesus! Jesus, que noite imensa e triste!
A quanta dor a nossa dor resiste
Em noite assim que a prĂłpria dor parece…

Ó noite imensa, ó noite do Calvário,
Leva contigo envolto no sudário
Da tua dor a dor que me não ´squece!

A Um Moribundo

NĂŁo tenhas medo, nĂŁo! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, Ă  tarde, uma pomba que tem sono…

A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono…

O que há depois? Depois?… O azul dos cĂ©us?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?

Que importa? Que te importa, Ăł moribundo?
– Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!…

A Minha Tragédia

Tenho Ăłdio Ă  luz e raiva Ă  claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ă“ minha vĂŁ, inĂştil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …

Eu nĂŁo gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …