Bem Sei, Amor, que Ă© Certo o que Receio
Bem sei, Amor, que Ă© certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.A mĂŁo tenho metida no meu seio,
E nĂŁo vejo os meus danos Ă s escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?
Sonetos sobre Moços de LuĂs de Camões
4 resultadosSeguia Aquele Fogo, Que O Guiava
Seguia aquele fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
as forças lhe faltavam já e o alento,
Amor lhas refazia e renovava.Despois que viu que a alma lhe faltava,
nĂŁo esmorece; mas, no pensamento,
(que a lĂngua já nĂŁo pode) seu intento
ao mar que lho cumprisse, encomendava.Ó mar (dezia o moço só consigo),
já te não peço a vida; só queria
que a de Hero me salves; nĂŁo me veja…Este meu corpo morto, lá o desvia
daquela torre. SĂŞ me nisto amigo,
pois no meu maior bem me houveste enveja!
Num Bosque Que Das Ninfas Se Habitava
Num bosque que das Ninfas se habitava
SĂlvia, Ninfa linda, andava um dia;
subida nüa árvore sombria,
as amarelas flores apanhava.Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta Ă sombra fria,
num ramo o arco e setas que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.A Ninfa, como idĂłneo tempo vira
para tamanha empresa, nĂŁo dilata,
mas com as armas foge ao Moço esquivo.As setas traz nos olhos, com que tira:
-Ă“ pastores! fugi, que a todos mata,
senĂŁo a mim, que de matar me vivo.
Senhor JoĂŁo Lopes, O Meu Baixo Estado
Senhor JoĂŁo Lopes, o meu baixo estado
ontem vi posto em grau tĂŁo excelente,
que vĂłs, que sois enveja a toda a gente,
só por mim vos quiséreis ver trocado.Vi o gesto suave e delicado
que já vos fez, contente e descontente,
lançar ao vento a voz tão docemente
que fez o ar sereno e sossegado.Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto
ninguém diria em muitas; eu só, cego,
magoado fiquei na doce fala.Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!
Um, porque os corações obriga a tanto;
outra, porque os estados desiguala.