Sonetos sobre Natureza de Francisco Joaquim Bingre

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Sonetos de natureza de Francisco Joaquim Bingre. Leia este e outros sonetos de Francisco Joaquim Bingre em Poetris.

Volúvel do Homem Foi Sempre a Vontade

Sobre as asas do Tempo, que não cansa,
Nossos gostos se vão, nossas paixões
Os projectos, sistemas e opiniões
Cos tempos que se mudam tem mudança.

Não pode haver no mundo segurança
Entre o vário montão de inclinações,
Pois sujeita a Vontade a mil baldões
No variável moto não descansa.

Nas nossas quatro épocas da idade
Temos mudanças mil: nossa fraqueza
Sujeita está, do Tempo, à variedade.

Na inconstância jamais houve firmeza:
Volúvel do homem foi sempre a vontade,
Por defeito comum da Natureza.

Quem não Ama, Desmente a Natureza

Se a flor namora a flor que lhe é vizinha,
Se uma palma com outra enlaça os ramos,
Se nos prados, com cândidos reclamos,
Namora uma avezinha outra avezinha.

Se o mundo o seu Autor quando o sustinha,
Nos eixos do poder, que acreditamos,
Na longa rotação que divisamos,
Viu que, para o suster, Amor convinha:

Se Amor é um dever que impresso existe
Em tudo que vegeta a redondeza,
Em que o governo universal consiste:

Quem se exime de amor e a Amor despreza?
Quem ataca esta Lei? Quem lhe resiste?
Quem não ama, desmente a Natureza.

Terra

Ó Terra, amável mãe da Natureza!
Fecunda em produções de imensos entes,
Criadora das próvidas sementes
Que abastam toda a tua redondeza!

Teu amor sem igual, sem par fineza,
Teus maternais efeitos providentes
Dão vida aos seres todos existentes,
Dão brio, dão vigor, dão fortaleza.

Tu rasgas do teu corpo as grossas veias
E as cristalinas fontes de água pura
Tens, para a nossa sede, sempre cheias.

Tu, na vida e na morte, com ternura
Amas os filhos teus, tu te recreias
Em lhes dar, no teu seio, a sepultura.

Inverno

Já na quarta estação final da vida
Estou, do triste Inverno rigoroso.
Fustigado do tempo borrascoso,
Co’a saraiva das asas sacudida.

Gelada tenho a fronte encanecida,
O sangue frio, pálido e soroso.
Compresso está o físico nervoso
E a máquina de todo enfraquecida.

Nesta quadra da fúnebre tristeza,
Que alegria terei na sombra escura,
Se enlutada se vê a Natureza?

Só, c’os frutos da má agricultura,
Vago triste no espaço da incerteza
De que a Morte me dê melhor ventura.

A Minha Amada Será um Assombro de Beleza

Muitos hão-de julgar que a minha amada
Será um raro assombro de beleza.
Porém, não é assim, à Natureza
Ela só deve uma Alma bem formada.

Os dotes pessoais de que é ornada
São filhos duma pura singeleza:
A constância, lealdade, amor, firmeza,
Nos versos meus a fazem decantada.

O seu cândido ser só eu conheço,
O valor que ela tem não se presume:
Só eu, que os seus afectos lhe mereço.

Em seu peito de Amor, não morre o lume
Eu amo um coração que não tem pressa,
Uma Alma singular, Marília, um Nume.