Repouso na Alegria Comedido
Leda serenidade deleitosa,
Que representa em terra um paraĂso;
Entre rubis e perlas, doce riso,
Debaixo de ouro e neve, cor-de-rosa;Presença moderada e graciosa,
Onde ensinando estĂŁo despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser formosa;Fala de que ou jĂĄ vida, ou morte pende,
Rara e suave, enfim, Senhora, vossa,
Repouso na alegria comedido:Estas as armas sĂŁo com que me rende
E me cativa Amor; mas nĂŁo que possa
Despojar-me da glĂłria de rendido.
Sonetos sobre Natureza de LuĂs de CamĂ”es
12 resultadosDiana Prateada, Esclarecia
Diana prateada, esclarecia
com a luz que do claro Febo ardente,
por ser de natureza transparente,
em si, como em espelho, reluzia.Cem mil milhĂ”es de graças lhe influĂa,
quando me apareceu o excelente
raio de vosso aspecto, diferente
em graça e em amor do que soĂa.Eu, vendo-me tĂŁo cheio de favores,
e tĂŁo propĂnquo a ser de todo vosso,
louvei a hora clara, e a noite escura,Sois nela destes cor a meus amores;
donde colijo claro que nĂŁo posso
de dia para vĂłs jĂĄ ter ventura.
Pelos Extremos Raros Que Mostrou
Pelos extremos raros que mostrou
em saber, Palas, VĂ©nus em fermosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
Ăfrica, Europa e Asia as adorou.Aquele saber grande que ajuntou
esprito e corpo em liga generosa,
esta mundana mĂĄquina lustrosa,
de sĂł quatro Elementos fabricou.Mas mor milagre fez a natureza
em vĂłs, Senhoras, pondo em cada ĂŒa
o que por todas quatro repartiu.A vĂłs seu resplandor deu Sol e LĂŒa,
a vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Ăgua vos serviu.
A Fermosura Fresca Serra
A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me estĂĄ (se nĂŁo te vejo) magoando.Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.
Tal Mostra DĂĄ De Si Vossa Figura
Tal mostra dĂĄ de si vossa figura,
Sibela, clara luz da redondeza,
que as forças e o poder da natureza
com sua claridade mais apura.Quem viu ĂŒa confiança tĂŁo segura,
tĂŁo singular esmalte da beleza,
que não padeça mais, se ter defesa
contra vossa gentil vista procura?Eu, pois, por escusar essa esquivança,
a razĂŁo sujeitei ao pensamento,
que, rendida, os sentidos lhe entregaram.Se vos ofende o meu atrevimento,
inda podeis tomar nova vingança
nas relĂquias da vida, que escaparam.
Arvore, Cujo Pomo, Belo E Brando
Arvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
estĂĄ virgĂneas faces imitando;nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vĂŁo, o teu injĂșria sinta;
nem por malĂcia de ar te seja extinta
a cor, que estĂĄ teu fruto debuxando;que, pois me emprestas doce e idĂłneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glĂłria,se nĂŁo te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memĂłria.
A VĂłs Seu Resplendor Deu Sol e Lua
Pelos raros extremos que mostrou
Em sĂĄbia Palas, VĂ©nus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
Ăfrica, Europa e Ăsia as adorou.Aquele saber grande que juntou
EspĂrito e corpo em liga generosa,
Esta mundana mĂĄquina lustrosa
De sĂł quatro elementos fabricou.Mas fez maior milagre a natureza
Em vĂłs, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.A vĂłs seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Ăgua vos serviu.
Diversos DÔes Reparte O Céu Benino
Diversos dÔes reparte o Céu benino,
e quer que cada ĂŒa um sĂł possua;
assi, ornou de casto peito a LĂŒa,
ornamento do assento cristalino.De graça, a Mãe fermosa do Minino,
que nessa vista tem perdido a sua;
Palas, de discrição, que imite a tua;
do valor, Juno, só de império dino.Mas junto agora o mesmo Céu derrama
em ti o mais que tinha, e foi o menos,
em respeito do Autor da natureza;que, a seu pesar, te dĂŁo, fermosa Dama,
Diana, honestidade, e graça, Vénus,
Palas o aviso seu, Juno a nobreza.
Pede o Desejo, Dama, que Vos Veja
Pede o desejo, Dama, que vos veja:
NĂŁo entende o que pede; estĂĄ enganado.
Ă este amor tĂŁo fino e tĂŁo delgado,
Que quem o tem nĂŁo sabe o que deseja.NĂŁo hĂĄ cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
NĂŁo quer logo o desejo o desejado,
SĂł por que nunca falte onde sobeja.Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.
Que Modo TĂŁo Sutil Da Natureza
Que modo tĂŁo sutil da natureza,
para fugir ao mundo, e seus enganos,
permite que se esconda em tenros anos,
debaixo de um burel tanta beleza!Mas esconder se nĂŁo pode aquela alteza
e gravidade de olhos soberanos,
a cujo resplandor entre os humanos
resistĂȘncia nĂŁo sinto, ou fortaleza.Quem quer livre ficar de dor e pena,
vendo a ou trazendo a na memĂłria,
da mesma razĂŁo sua se condena.Porque quem mereceu ver tanta glĂłria,
cativo hĂĄ de ficar; que Amor ordena
que de juro tenha ela esta vitĂłria.
CĂĄ nesta BabilĂłnia
CĂĄ nesta BabilĂłnia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
CĂĄ, onde o puro Amor nĂŁo tem valia,
Que a MĂŁe, que manda mais, tudo profana;CĂĄ, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
CĂĄ, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vĂŁo a Deus engana;CĂĄ, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vĂŁo
Ăs portas da Cobiça e da Vileza;CĂĄ, neste escuro caos de confusĂŁo,
Cumprindo o curso estou da natureza.
VĂȘ se me esquecerei de ti, SiĂŁo!
De Quantas Graças Tinha, A Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
fez um belo e riquĂssimo tesouro;
e com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.PÎs na boca os rubis, e na pureza
do belo rostro as rosas, por quem mouro;
no cabelo o valor do metal louro;
no peito a neve em que a alma tenho acesa.Mas nos olhos mostrou quanto podia,
e fez deles um sol, onde se apura
a luz mais clara que a do claro dia.Enfim, Senhora, em vossa compostura
ela a apurar chegou quanto sabia
de ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.