Sonetos sobre Corpo de Luís de CamÔes

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Transforma-se o Amador na Cousa Amada

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
NĂŁo tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela estĂĄ minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois com ele tal alma estĂĄ liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que como o acidente em seu sujeito,
Assim co’a alma minha se conforma,

EstĂĄ no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

Pelos Extremos Raros Que Mostrou

Pelos extremos raros que mostrou
em saber, Palas, VĂ©nus em fermosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Asia as adorou.

Aquele saber grande que ajuntou
esprito e corpo em liga generosa,
esta mundana mĂĄquina lustrosa,
de sĂł quatro Elementos fabricou.

Mas mor milagre fez a natureza
em vĂłs, Senhoras, pondo em cada ĂŒa
o que por todas quatro repartiu.

A vĂłs seu resplandor deu Sol e LĂŒa,
a vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.

Despois Que Viu Cibele O Corpo Humano

Despois que viu Cibele o corpo humano
do fermoso Átis seu verde pinheiro,
em piedade o vĂŁo furar primeiro
convertido, chorou seu grave dano.

E, fazendo a sua dor ilustre engano,
a JĂșpiter pediu que o verdadeiro
preço da nova palma e do loureiro,
ao seu pinheiro desse, soberano.

Mais lhe concede o filho poderoso
que, as estrelas, subindo, tocar possa,
vendo os segredos lĂĄ do CĂ©u superno.

Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso
quem se vir coroar da folha vossa,
cantando Ă  vossa sombra verso eterno!

Seguia Aquele Fogo, Que O Guiava

Seguia aquele fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
as forças lhe faltavam jå e o alento,
Amor lhas refazia e renovava.

Despois que viu que a alma lhe faltava,
nĂŁo esmorece; mas, no pensamento,
(que a lĂ­ngua jĂĄ nĂŁo pode) seu intento
ao mar que lho cumprisse, encomendava.

Ó mar (dezia o moço só consigo),
jå te não peço a vida; só queria
que a de Hero me salves; nĂŁo me veja…

Este meu corpo morto, lĂĄ o desvia
daquela torre. SĂȘ me nisto amigo,
pois no meu maior bem me houveste enveja!

Que Levas, Cruel Morte?- Um Claro Dia.

Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.
– A que horas o tomaste?- Amanhecendo.
– Entendes o que levas?- NĂŁo o entendo.
– Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.

Seu corpo quem o goza?- A terra fria.
– Como ficou sua luz?- Anoitecendo.
– LusitĂąnia que diz?- Fica dizendo:
Enfim, nĂŁo mereci Dona Maria.

Mataste quem a viu?- JĂĄ morto estava.
– Que diz o cru Amor?- Falar nĂŁo ousa.
– E quem o faz calar?- Minha vontade.

Na corte que ficou?- Saudade brava.
– Que fica lĂĄ que ver?- NenhĂŒa cousa;
mas fica que chorar sua beldade.

A VĂłs Seu Resplendor Deu Sol e Lua

Pelos raros extremos que mostrou
Em sĂĄbia Palas, VĂ©nus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Ásia as adorou.

Aquele saber grande que juntou
EspĂ­rito e corpo em liga generosa,
Esta mundana mĂĄquina lustrosa
De sĂł quatro elementos fabricou.

Mas fez maior milagre a natureza
Em vĂłs, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.

A vĂłs seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.

A Morte, Que Da Vida O NĂł Desata

A Morte, que da vida o nĂł desata,
os nĂłs, que dĂĄ o Amor, cortar quisera
na AusĂȘncia, que Ă© contr’ ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.

Duas contrĂĄrias, que ĂŒa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
ĂŒa Ă© RazĂŁo contra a Fortuna austera,
outra, contra a RazĂŁo, Fortuna ingrata.

Mas mostre a sua imperial potĂȘncia
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;

porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da AusĂȘncia,
do Tempo, da RazĂŁo e da Fortuna.

Aquela Que, De Pura Castidade

Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por ĂŒa breve e sĂșbita mudança,
contrĂĄria a sua honra e qualidade

(venceu Ă  fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),

de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.

[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memĂłria larga vida!