Sonetos sobre Vontade de Luís de Camões

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Sonetos de vontade de Luís de Camões. Leia este e outros sonetos de Luís de Camões em Poetris.

Aquela Triste E Leda Madrugada

Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.

Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂ­a, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderá ver se apartada.

Ela só, viu as lágrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.

Do Tempo que Fui Livre me Arrependo

O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.

Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razĂŁo me salteava.

Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, nĂŁo sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,

Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.

Amor Ă© um Fogo que Arde sem se Ver

Amor Ă© um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Amor Ă© fogo que arde sem se ver

Amor Ă© fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Lágrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vĂłs piedade
De tĂŁo longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vĂłs, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausĂŞncia Ă© de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

Enquanto Febo Os Montes Acendia

Enquanto Febo os montes acendia
do CĂ©u com luminosa claridade,
por evitar do Ăłcio a castidade
na caça o tempo Délia despendia.

VĂ©nus, que entĂŁo de furto descendia,
por cativar de Anquises a vontade,
vendo Diana em tanta honestidade,
quase zombando dela, lhe dizia:

– Tu vás com tuas redes na espessura
os fugitivos cervos enredando,
mas as minhas enredam o sentido.

-Melhor Ă© (respondia a deusa pura)
nas redes leves cervos ir tomando
que tomar-te a ti nelas teu marido.

Que me quereis, perpétuas saudades?

Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai nĂŁo torna mais,
E se torna, nĂŁo tornam as idades.

Razão é já, ó anos, que vos vades,
Porque estes tĂŁo ligeiros que passais,
Nem todos pera um gosto sĂŁo iguais,
Nem sempre sĂŁo conformes as vontades.

Aquilo a que já quis é tão mudado,
Que quase Ă© outra cousa, porque os dias
Têm o primeiro gosto já danado.

Esperanças de novas alegrias
NĂŁo mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
Que do contentamento sĂŁo espias.

Somente em Ser Mudável Tem Firmeza

Todo animal da calma repousava,
SĂł Liso o ardor dela nĂŁo sentia;
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava.

Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava.

Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:

Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza.

Lágrimas de Honesta Piedade e Imortal Contentamento

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faĂ­scas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas a alva neve.

A vista, que em si mesma nĂŁo se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que Ă© verdade.

Olhai como Amor gera, em um momento,
De lágrimas de honesta piedade
Lágrimas de imortal contentamento.

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chĂŁo de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Quando, Senhora, Quis Amor Que Amasse

Quando, Senhora, quis Amor que amasse
essa grã perfeição e gentileza,
logo deu por sentença que a crueza
em vosso peito amor acrescentasse.

Determinou que nada me apartasse,
nem desfavor cruel, nem aspereza;
mas que em minha rarĂ­ssima firmeza
vossa isenção cruel se executasse.

E, pois tendes aqui oferecida e
sta alma vossa a vosso sacrifĂ­cio,
acabai de fartar vossa vontade.

NĂŁo lhe alargueis, Senhora, mais a vida;
acabará morrendo em seu oficio,
sua fé defendendo e lealdade.

Quanto Mais me Paga, Mais me Deve

Passo por meus trabalhos tĂŁo isento
De sentimento grande nem pequeno,
Que sĂł por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.

Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c’o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque nĂŁo mo consente o sofrimento.

Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.

Mas se me vĂŞ co’os males tĂŁo contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.

Que Levas, Cruel Morte?- Um Claro Dia.

Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.
– A que horas o tomaste?- Amanhecendo.
– Entendes o que levas?- NĂŁo o entendo.
– Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.

Seu corpo quem o goza?- A terra fria.
– Como ficou sua luz?- Anoitecendo.
– Lusitânia que diz?- Fica dizendo:
Enfim, nĂŁo mereci Dona Maria.

Mataste quem a viu?- Já morto estava.
– Que diz o cru Amor?- Falar nĂŁo ousa.
– E quem o faz calar?- Minha vontade.

Na corte que ficou?- Saudade brava.
– Que fica lá que ver?- NenhĂĽa cousa;
mas fica que chorar sua beldade.

Todo O Animal Da Calma Repousava

Todo o animal da calma repousava,
sĂł Liso o ardor dela nĂŁo sentia;
que o repouso do fogo em que ardia
consistia na Ninfa que buscava.

Os montes parecia que abalava
o triste som das mágoas que dezia;
mas nada o duro peito comovia,
que na vontade d’outrem posto estava.

Cansado já de andar pela espessura,
no tronco d’ĂĽa faia, por lembrança,
escreveu estas palavras de tristeza:

“Nunca ponha ninguĂ©m sua esperança
em peito feminil, que, de natura,
somente em ser mudável tem firmeza”.

Se Tomar Minha Pena Em PenitĂŞncia

Se tomar minha pena em penitĂŞncia
do erro em que caiu o pensamento,
nĂŁo abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciĂŞncia.

E se ĂĽa cor de morto na aparĂŞncia,
um espalhar suspiros vĂŁos ao vento,
em vĂłs nĂŁo faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciĂŞncia.

E se de qualquer áspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);

e se em vĂłs nĂŁo s’entende haver vingança,
será forçado (pois Amor me obriga)
que eu sĂł de vossa culpa pague a pena.

Conversação Doméstica Afeiçoa

Conversação doméstica afeiçoa,
ora em forma de boa e sĂŁ vontade,
ora de ĂĽa amorosa piedade,
sem olhar qualidade de pessoa.

Se despois, porventura, vos magoa
com desamor e pouca lealdade,
logo vos faz mentira da verdade
o brando Amor, que tudo em si perdoa.

NĂŁo sĂŁo isto que falo conjecturas,
que o pensamento julga na aparĂŞncia,
por fazer delicadas escrituras.

Metido tenho a mĂŁo na consciĂŞncia,
e nĂŁo falo senĂŁo verdades puras
que me ensinou a viva experiĂŞncia.

Se AlgĂĽ’hora Em VĂłs A Piedade

Se algĂĽ’hora em vĂłs a piedade
de tĂŁo longo tormento se sentira,
nĂŁo consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saĂĽdade.

Apartei me de vĂłs, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausĂŞncia Ă© de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.

Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lágrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.

E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cá me achará minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.

Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse

Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂ­zo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.

Ă“ vĂłs que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,

verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!

TĂŁo Conformes na Ventura

Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana, banhando o lindo seio,
Outras tantas de um áspero receio
Salteado Laurénio a cor perdia.

Ela, que a SĂ­lvio mais que a si queria,
Para podĂŞ-lo ver nĂŁo tinha meio.
Ora como curara o mal alheio
Quem o seu mal tĂŁo mal curar podia?

Ele, que viu tĂŁo clara esta verdade,
Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavam, de mágoa, a piedade):

Como pode a desordem da natura
Fazer tĂŁo diferentes na vontade
Aos que fez tĂŁo conformes na ventura?

Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta

Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.

Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.

Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.

Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.