Sonetos sobre Noite de Raimundo Correia

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Sonetos de noite de Raimundo Correia. Leia este e outros sonetos de Raimundo Correia em Poetris.

Primeiras VigĂ­lias

Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lânguido cálix todo aberto.

Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femĂ­neas formas ondulosas;
E eu a idear, nas ânsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.

E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ó sensuais visões da adolescência,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!

Fervem paixões despertas no meu peito;
Descai a flor virgĂ­nea da inocĂŞncia,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”

VĂ©sper

Do seu fastĂ­gio azul, serena e fria,
Desce a noite outonal, augusta e bela;
VĂ©sper fulgura alĂ©m… VĂ©sper! SĂł ela
Todo o céu, doce e pálida, alumia.

De um mosteiro na cĂşpula irradia
Com frouxa luz… Em sua humilde cela,
Contemplativa e lânguida à janela,
Triste freira, fitando-a, se extasia…

VĂ©sper, envolta em deslumbrante alvura,
Ó nuvens, que ides pelo espaço afora!
A quem tĂŁo longo olhar volve da altura?

Que olhar, irmĂŁo do seu, procura agora
Na terra o astro do amor? O olhar procura
Da solitária freira que o namora.

O Monge

-“O coração da infância”, eu lhe dizia,
“É manso.” E ele me disse:-“Essas estradas,
Quando, novo Eliseu, as percorria,
As crianças lançavam-me pedradas…”

Falei-lhe entĂŁo na glĂłria e na alegria;
E ele-alvas barbas longas derramadas
No burel negro-o olhar somente erguia
Ă€s cĂ©rulas regiões ilimitadas…

Quando eu, porém, falei no amor, um riso
SĂşbito as faces do impassĂ­vel monge
Iluminou… Era o vislumbre incerto,

Era a luz de um crepĂşsculo indeciso
Entre os clarões de um sol que já vai longe
E as sombras de uma noite que vem perto!…

Fetichismo

Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vĂŁo: – Que cĂ©us habita
Deus? Onde essa regiĂŁo de luz bendita,
ParaĂ­so dos justos e dos crentes?…

Em vĂŁo tateiam tuas mĂŁos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dĂşvida atroz blasfema e grita,
E onde há sĂł queixas e ranger de dentes…

A essa abĂłbada escura, em vĂŁo elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; Ă© tudo em torno trevas…

Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que Ă© o ruĂ­do dos teus prĂłprios passos!…

Julieta

A loura Julieta enamorada,
Triste, lânguida, pálida, abatida,
Aparece radiante na sacada
Dos raios brancos do luar ferida.

Engolfa o olhar na sombra condensada,
Perscruta, busca em torno… e na avenida
Surge Romeu; da valerosa espada
Esplende a clara lâmina polida…

Sente-se o arfar de sĂ´fregos desejos,
Estoura no ar um turbilhĂŁo de beijos,
Mas o dia reponta!… Ă“ indiscreta

Da cotovia matinal garganta!
Ă“ perigo do amor, que o amor quebranta!
Ă“ noites de Verona! Ă“ Julieta!

A Cavalgada

A lua banha a solitária estrada…
SilĂŞncio!… mas alĂ©m, confuso e brando,
O som longĂ­nquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
VĂŞm alegres, vĂŞm rindo, vĂŞm cantando,
E as trompas a soar vĂŁo agitando
O remanso da noite embalsamada…

E o bosque estala, move-se, estremece…
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se apĂłs no centro da montanha…

E o silĂŞncio outra vez soturno desce,
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha…