Sonetos sobre Olhar de J. G. de Araújo Jorge

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Sonetos de olhar de J. G. de Araújo Jorge. Leia este e outros sonetos de J. G. de Araújo Jorge em Poetris.

Espera

Se tivesse mandado uma palavra: -“espera!”
Sem mais nada, nem mesmo explicar até quando,
eu teria ficado até hoje esperando…
– era a eterna ilusão de que fosses sincera…

Que importa a vida, o Sol, a primavera,
se eras a vida, o Sol, a flor desabrochando?
Se tivesses mandado uma palavra: -“espera!”
eu teria ficado até hoje esperando…

Não mandaste, tu nada disseste, e eu segui
sem saber que fazer da vida que era tua
procurando com o mundo esquecer-me de ti…

E afinal o destino, irônico e mordaz,
ontem, fez-me cruzar com o teu olhar na rua,
ouvir dizer-te: -“espera!…”E ser tarde demais…

Razões

“Razões…”
II
Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso… um olhar…
– como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar…

Quando passa assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto… e vais seguindo displicentemente…

– eu penso com tristeza em tua hipocrisia…
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida
e que um dia choraste… e que choraste um dia…

Mas para que contar? Que sejas sempre assim,
e que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar pra mim!…

Suprema Ironia

Não digas que não sofro – o meu sofrer profundo
com um sorriso nos lábios muita vez apago…
A dor – é coo a pedra que cai – vai pro fundo
sob a face serena e tranqüila do lago…

Um segundo de pura alegria – um segundo
muitas vezes me basta, e já me dou por pago…
Se invejo, invejo aquele que não tendo um mundo,
tem mundo para além do olhar ardente e vago…

Que eu não ando a dizer que sofro e me atormento!
É covardia a gente maldizer-se à toa
a viver esta vida entre um ai e um lamento…

Eu, não! Bem sei que sofro, mas sofrer – que importa ?
Digo aos homens que o mundo é belo, a vida é boa!
E… suprema ironia… a minha voz conforta!

Sensual

Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado;
nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo;
no quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo,
a olhar-me com olhar nervoso e apaixonado…

Partiste!… Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo
daquele último abraço inquieto e demorado…
– Na quentura do espaço a transpirar pecado,
Ainda baila a figura estranha do desejo…

Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços!
– Quando longe tu estás, minha alma se alvoroça
julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos…

Na lembrança revejo os momentos felizes,
e chego a acredita que a minha carne moça
na tua carne moça até criou raízes!…

As Razões

Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso… um olhar…
– como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar…

Quando passa assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto… e vais seguindo displicentemente…

– eu penso com tristeza em tua hipocrisia…
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida
e que um dia choraste… e que choraste um dia…

Mas para que contar? Que sejas sempre assim,
e que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar pra mim!…

Tonta

Dizes que ficas tonta… quando em tua boca
ergo a taça da minha a transbordar de beijos,
e te dou a beber dessa champanha louca
que espuma nos meus lábios para os teus desejos.

Dizes… E em teu olhar incendiado talvez,
como que tonto mesmo e ardendo de calor,
vejo se refletir minha própria embriaguez
e o mundo de loucura que há no nosso amor…

E receio por ti e por mim, e receio
que um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueça
e aperte no meu peito a maciez do teu seio…

Dizes que ficas tonta… Hás de então ficar louca!
E eu tomando entre as mãos tua loura cabeça
hei de fazer sangrar de beijos tua boca! …

Meu Calvário

Ando sempre a seguir-te… a buscar-te distante
como a visão que anseio e os olhos me seduz,
– e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em êxtase constante…

Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora às vezes pare, – sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz!

Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce à frente de mim, – no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento…

E, após tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
– se ao cair no caminho… e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!

Uma Palavra, Um Gesto

Não quiseste, – ou quem sabe? … vacilaste na hora
em que esperei de ti uma palavra, um gesto…
– bastaria um olhar quando me fui embora,
um olhar… e eu feliz entenderia o resto…

Mas, não. Nem um olhar, num um vago protesto,
em um tremor na voz de quem sofre e não chora…
Ah! teria bastado uma palavra, um gesto,
para tudo, afinal, ser diferente agora…

Parti! levou-me a vida, ao léu, e redemoinho…
Hoje, volto, – e tu me olhas a falar de amor
e me entregas as mãos num gesto de carinho…

E evito teu olhar… E não me manifesto…
– É que, já não te posso dar, seja o que for,
nem mesmo uma palavra de esperança, um gesto…

Noiva

Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véu
como em flocos de espuma, espalhado no chão…
No ar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu,
e leva um céu maior dentro do coração…

Nos lábios… Ah! nos lábios o sabor do mel,
e uma carícia em flor se entreabre em cada mão,
– e que tremor no braço, ao deixar no papel
o nome dela, o dele… os dois desde então…

Quem lhe falou da vida ? A vida é um sonho, a vida
é esse caminho azul, esse estranho embaraço
de sentir-se ao seu lado adorada e querida…

Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu…
Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braço
não pensa que caminha em direção ao céu ?…

Coração Solitário

A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua – é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.

Ouço meu coração ardente e solitário
com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.

Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

Música indefinida a encher a solidão:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.

Volúpia

Quisera te associar à pureza e à candura
quando pensasse em ti… Mas a emoção, teimosa,
transforma sem querer toda a minha ternura
numa estranha lembrança ardente voluptuosa…

Não poderei dizer apenas que és formosa
quando a própria beleza em ti se transfigura,
– e pela tua carne há pétalas de rosa
e no teu corpo há um canto fresco de água pura!

Um sincero pudor vislumbro em teus enleios,
mas se disser que te amo com pureza, eu minto,
– no olhar trago tatuada a visão de teus seios…

E em vão tento associar-te ao céu, à fonte, à flor!
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto
que ainda estremece em mim teu último estertor!

Surpresa

Começamos assim: – eu, tendo em mente
fingir gostar apenas: namorar,
como chamam na vida comumente
aos primeiros encontros de algum par…

Tu, disposta a prender-me ao teu olhar
por um mero capricho e, fatalmente,
depois que eu me curvasse a te adorar
trocar-me-ias por outro facilmente…

Começamos assim – logo, no entanto
– aquilo que pensei, não consegui,
nem conseguiste o que querias tanto…

E afinal – que belíssima surpresa!…
– Eu, de tanto fingir: – gostei de ti,
tu, querendo prender: – ficaste presa!…

A Espera

Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
– os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…

O céu desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando…

E ela não vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade…

Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…

Ciúme

Encontro em ti tudo o que imaginara
na mulher, para ser o meu ideal;
– não é só teu olhar, tua voz clara,
e essa expressão que tens, sentimental!…

Nem essa graça ingênua, hoje tão rara,
de quem não sabe onde se encontra o mal,
ou teu riso feliz, que se compara
ao tinir de uma taça de cristal…

É tudo em ti, traço por traço, tudo!
As tuas mãos são rendas de ternura;
teus carinhos, macios, de veludo.

Por isso mesmo é que é maior a dor,
quando amargo a mais íntima tortura
por não ter sido o teu primeiro amor…

Está Cheio De Ti Meu Coração

Está cheio de ti meu coração
como a noite de estrelas está cheia,
tão cheia, que ao se olhar para a amplidão
o olhar de luz se inunda e se incendeia…

Está cheio de ti meu coração
como de ondas o mar que o dorso alteia,
como a praia que estende sobre o chão
milhões de grãos do seu lençol de areia…

Está cheio de ti meu coração,
como uma taça, erguida, transbordante,
num momento de amor e de emoção,

– como o meu canto enquanto eu viva e eu cante
como o meu pensamento a todo instante
está cheio de ti meu coração!

Freira

Em teu calmo semblante e em teu olhar parado
há perdido – bem sei – um mistério qualquer…
– quem sabe se pecaste… e se foi teu pecado
quem te fez esquecer que és bela e que é mulher…

Hoje es santa… O passado passou — é passado…
– dele já não terás uma ilusão sequer,
e o amor que se tornou funesto e amargurado,
sepultas no silêncio… e em teu árduo mister…

Mais à frente está a vida… a vida humana e bela!
– teu presente é uma prece; teu passado: um poema;
teu futuro: um rosário, um altar, uma cela…

Evadida do mundo – ao ver-te, à luz do dia
– não sei se te admiro a renúncia suprema,
ou se lastimo a tua imensa covardia!

Barco Perdido

Oh! a vida é uma grande renúncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, é que às vezes, a vida
de renúncia em renúncia aos poucos vai embora…

Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…

No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…

Velas rôtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…

Menina Dos Olhos Verdes

Ó! menina dos olhos verdes, que à tardinha
estás sempre à janela à hora de minha volta…
Que cousas pensarás? Que fazes aí sozinha?
Por que regiões de sonho a tua alma se solta?

Sempre que dobro a esquina encontro o teu olhar
e o teu claro sorriso adolescente ainda…
Habituei-me a te ver – e és tão criança e tão linda
que sem querer, também sorrio ao te encontrar…

Menina dos olhos verdes… A quem esperas
com teus olhos gritando a cor das primaveras?
Queres versos? Pois bem, estes são teus, recolhe-os!

Escrevi-os pensando em ti, tímida e bela,
– a menina dos olhos verdes da janela
debruçada à janela verde dos meus olhos!

Núpcias Pagãs

Braços dados, nós dois, vamos sozinhos…
O teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos
debruados de jasmins e samambaias

Há queixumes de amor na alma dos ninhos
e as nuvens lembram danças de cambraias…
– na minha mão ansiosa de carinhos
tonta de amor, a tua mão, desmaias…

Andamos sobre painas… entre alfombras…
E à luz frouxa da tarde em desalento
misturam-se no chão as nossas sombras

– Aqui… Há rosas soltas, desfolhadas…
Nada receies, meu amor – é o vento
em marcha nupcial pelas ramadas!

A Vida

“A Vida”
II
“. . Tem sido assim e assim será… Mais tarde
o que hoje pensas chamarás: – quimera!
E esse esplendor que nos teus olhos arde,
será a visão de extinta primavera…

Escondido à .traição, como uma fera,
bem em silêncio, e sem fazer alarde,
o Destino que é mau e que é covarde,
naquela sombra adiante já te espera!

E num requinte de perversidade
faz de cada ilusão, de cada sonho,
a ruína de uma dor… e uma saudade…

E se voltares, notarás então
desesperado, ao teu olhar tristonho
que em vão sonhaste… e que viveste em vão!…”