Sonetos sobre Peixes

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Sonetos de peixes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Jardim

Negro jardim onde violas soam
e o mal da vida em ecos se dispersa:
à toa uma canção envolve os ramos
como a estátua indecisa se reflete

no lago há longos anos habitado
por peixes, não, matéria putrescível,
mas por pálidas contas de colares
que alguém vai desatando, olhos vazados

e mãos oferecidas e mecânicas,
de um vegetal segredo enfeitiçadas,
enquanto outras visões se delineiam

e logo se enovelam: mascarada,
que sei de sua essĂŞncia (ou nĂŁo a tem),
jardim apenas, pétalas, presságio

Soneto Da Ilha

Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alĂ­sios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.

Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambĂŞm um mar que me molhava o sono.

E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexo

Estelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.

Quando Canta A Maldonado

Quando canta a Maldonado
E os quadris saracoteia,
NĂŁo Ă© mulher, Ă© sereia,
NĂŁo Ă© mulher, Ă© o pecado.

Ao vĂŞ-la, pois, enleado
Perco o siso, o verbo, a ideia,
E um desejo audaz se enleia
Neste peito meu bronzeado.

Chamei-te sereia! engano!
Nunca tolice maior
Borbotou do lábio humano.

Que toda a sereia, flor,
Finda em peixe… e ou eu me engano,
Ou tu acabas… melhor.

O Mar Da Minha Aldeia É Doce E Calmo

O mar da minha aldeia Ă© doce e calmo
mas se alimenta no sal dos meus olhos.
NĂŁo Ă© azul e reza em negro salmo
quando essas águas tragam o fumo eólio

As almas que o conhecem palmo a palmo
sabem do escasso peixe em seu espĂłlio
Ah, várzeas alagadas! Onda e espasmo
nessas barrigas d’águas-promontórios

Crianças se alimentam dessa argila
em cuias com chibé de mandioca
farinha de um maná que a fé ventila

Do barro vem barroca que se espoca
na lama de uma origem que destila
febres palustres, fome que se estoca

O CĂ©u, A Terra, O Vento Sossegado

O cĂ©u, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silĂŞncio repousado…

O pescador AĂłnio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vĂŁo nomeia,
que nĂŁo pode ser mais que nomeado:

Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tĂŁo cedo
me fizestes Ă  morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Soneto 573 Barbarizado

Já se disse: sete é conta de mentira e lenda.
Também dizem que de azar o treze é cifra certa.
Isso explica a redondilha como porta aberta
no cantar dos repentistas, na feroz contenda,

Ă  bazĂłfia descarada, onde Ă© melhor a emenda
que o soneto decassĂ­labo, no qual se enxerta
entre termos eruditos a falácia esperta,
lei de todo bom poeta que seu peixe venda.

Outrossim, também se explica por que nunca é visto
um soneto alexandrino, mas de pé quebrado:
este, a cuja tentação do treze não resisto.

Vou chamá-lo “aleijadinho”, pois, em vez de errado,
tem caráter de obra-prima, pelo menos nisto:
completar catorze versos sem ficar quadrado!

Aboio De Ternura Para Uma RĂŞs Desgarrada Para Astrid Cabral

Fora de tua tribo peixe fora d’água,
bordando as muitas dores no ponto de cruz,
alinhavas rebanhos reunidos na frágua
dos rios da tua infância com escamas de luz.

Versos tecidos na cambraia das anáguas
de alices caboclas, yaras-cunhĂŁs do fundo,
encantadas dos peraus, afogando mágoas,
mas que sabem, sestrosas, dos botos do mundo.

E os teus pés desgarrados pisaram em nuvens
de ventos sem mormaços, no azul de outras línguas:
águas despidas do alfenim de nossas chuvas.

Te sabias folha de relva da ravina
irmĂŁ de Whitman e do Khayam simum
prĂłxima do teu gado e rĂŞs da prĂłpria sina.

Soneto Da Enseada

Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pĂ´r-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imĂłvel no jardim.

De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.

Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida Ă© simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.

Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigĂ­lia ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?

Estrangeiro

Sou estrangeiro em todos os lugares.
InĂştil procurar-te, aldeia minha.
Subo de escada todos os andares,
com a fria espada a acutilar-me a espinha.

Não sou daqui nem sou de lá. Perdi-me
na indecisĂŁo de becos e de esquinas.
Como o pardal diante do gato, vi-me
apanhado por garras assassinas.

Os mapas pendurados nas paredes
riem de mim como insensĂ­veis redes,
rasgando os peixes que nĂŁo fogem mais.

Prenderam-me entre muros que abomino
e toda a noite entoam-me seu hino
de insultos, gritos e Ăłdios triunfais.

No Mundo Poucos Anos, E Cansados

No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tĂŁo cedo a luz do dia escura,
que nĂŁo vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, nĂŁo quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
pátria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,

me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na Abássia fera e avara,
tão longe da ditosa pátria minha!