É Bem Feliz
É bem feliz por certo, o que somente
Ao rústico lavor acostumado
Conduzir sabe os bois, reger o arado,
E dar à terra a provida semente.A arte de a lavrar sempre inocente
Estuda só, e ignora afortunado
As novas leis, as máximas de Estado,
E os documentos de enganar a gente.Projectos vãos não forma, e sempre isento
Da soberba ambição, nunca a Lisboa
Foi dobrar o joelho ao valimento.Cabana humilde, onde nasceu, povoa;
E seguro no próprio abatimento,
Só tem medo do Céu, quando trovoa.
Sonetos sobre Próprio de Abade de Jazente
3 resultadosDeixa-me em Paz
Nize, deixa-me em paz; porque já agora
No mar de Amor, por mais que á vela saia,
Carcaça velha sou, que junto á praia,
Por não poder surgir se desarvora.Adeus, que quem me vir da barra fora,
É capaz de me dar alguma vaia:
E ao menos quero, antes que ao fundo caia,
Inda salvar-me: adeus; fica-te embora.Bem sei que pouco é já; mas por vanglória
(Porque às vezes se faz do próprio dano)
A mesma falta hei-de fazer notória.E no público altar do Desengano,
Deixarei dos estragos por memória
O destroçado leme, e o roto pano.
Sem Causa a Infância Ri
Sem causa a Infância ri, sem causa chora:
Incauta se despenha a mocidade;
Sacode o jugo, e nela a liberdade,
A caça, o jogo, o amor, tudo a namora.Das honras o varão se condecora;
Tudo é nele ilusão, tudo vaidade:
Junta Tesouros a avarenta idade;
Diz mal do nosso, e ao tempo andado adora.Tormento é toda a vida, é toda enganos:
Quando uns afectos vence a novos corre,
E tarde reconhece os próprios danos:Porque enfim se a prudência nos socorre,
Ditada na lição dos longos anos,
Quando se sabe, então é que se morre.