Sonetos sobre Saudades de Alberto d'Oliveira

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Sonetos de saudades de Alberto d'Oliveira. Leia este e outros sonetos de Alberto d'Oliveira em Poetris.

Choro De Vagas

NĂŁo Ă© de ĂĄguas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.

SĂŁo de nĂĄufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tĂĄbua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufÔes violentos;

Vejo-os na escuridĂŁo da noite, aflitos,
Bracejando ou jå mortos e de bruços,
Largados das marĂ©s, em ermas plagas…

Ah! que sĂŁo deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!

Última Deusa

Foram-se os deuses, foram-se, eu verdade;
Mas das deusas alguma existe, alguma
Que tem teu ar, a tua majestade,
Teu porte e aspecto, que Ă©s tu mesma, em suma.

Ao ver-te com esse andar de divindade,
Como cercada de invisĂ­vel bruma,
A gente à crença antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra com saudade.

De lå trouxeste o olhar sereno e garço,
O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto,
RĂștilo rola o teu cabelo esparto…

Pisas alheia terra… Essa tristeza
Que possuis Ă© de estĂĄtua que ora extinto
Sente o culto da forma e da beleza.

Luva Abandonada

Uma só vez calçar-vos me foi dado,
Dedos claros! A escura sorte minha,
O meu destino, como um vento irado,
Levou-vos longe e me deixou sozinha!

Sobre este cofre, desta cama ao lado,
Murcho, como uma flor, triste e mesquinha,
Bebendo ĂĄvida o cheiro delicado
Que aquela mĂŁo de dedos claros tinha.

CĂĄlix que a alma de um lĂ­rio teve um dia
Em si guardada, antes que ao chĂŁo pendesse,
Breve me hei de esfazer em poeira, em nada…

Oh! em que chaga viva tocaria
Quem nesta vida compreender pudesse
A saudade da luva abandonada!

A Casa Da Rua AbĂ­lio

A casa que foi minha, hoje Ă© casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, sĂł, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidade

Deixo e vou vĂȘ-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lå uma prece, elevando-se aos céus;
SĂŁo as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.

Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia nĂŁo hĂĄ muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falaram,

E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados Ă  voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.

Horas Mortas

Breve momento apĂłs comprido dia
De incÎmodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, Ă  luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparĂȘncia azul da noite fria.

Chegas. O Ăłsculo teu me vivifica
Mas Ă© tĂŁo tarde! RĂĄpido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;

E na mesa em que escrevo apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.