A Minha Tragédia
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …
Sonetos sobre Saudades de Florbela Espanca
28 resultadosA Vida
É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo ou o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!A mais nobre ilusão morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida…Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!…
Noite De Saudade
A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra , que inunda de amargura…
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura…Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura…
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!Porque és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!Saudade que eu sei donde me vem…
Talvez de ti, ó Noite!…Ou de ninguém!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que eu tenho!!
Mentiras
Ai quem me dera uma feliz mentira
que fosse uma verdade para mim!
J. DANTAS
Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade…
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito…Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!
Em Vão
Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
a flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!E eu quero bem a tudo, a toda gente…
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!
Anseios
Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha cais!Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais
Não valem o prazer duma saudade!Tu chamas ao meu seio, negra prisão!…
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbre o brilho do luar!Não estendas tuas asas para o longe…
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar!…
Ódio?
Ódio por Ele? Não… Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto,Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!Nunca mais o amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ódio por Ele? Não… não vale a pena…
Esquecimento
Esse de quem eu era e que era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei…tacteio sombras…que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!Descem em mim poentes de Novembro…
A sombra dos meus olhos, a escurecer…
Veste de roxo e negro os crisântemos…E desse que era meu já me não lembro…
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos!…