Sonetos sobre Sentir de Fernando Pessoa

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Sonetos de sentir de Fernando Pessoa. Leia este e outros sonetos de Fernando Pessoa em Poetris.

Em Busca Da Beleza VI

O sono – Oh, ilusão! – o sono? Quem
Logrará esse vácuo ao qual aspira
A alma que de aspirar em vão delira
E já nem força para querer tem?

Que sono apetecemos? O d’alguém
Adormecido na feliz mentira
Da sonolência vaga que nos tira
Todo o sentir na qual a dor nos vem?

Ilusão tudo! Querer um sono eterno,
Um descanso, uma paz, não é senão
O último anseio desesperado e vão.

Perdido, resta o derradeiro inferno
Do tédio intérmino, esse de já não
Nem aspirar a ter aspiração.

Depois Que O Som Da Terra, Que É Não Tê-Lo

Depois que o som da terra, que é não tê-lo,
Passou, nuvem obscura, sobre o vale
E uma brisa afastando meu cabelo
Me diz que fale, ou me diz que cale,

A nova claridade veio, e o sol
Depois, ele mesmo , e tudo era verdade,
Mas quem me deu sentir e a sua prole?
Quem me vendeu nas hastas da vontade?

Nada. Uma nova obliquação da luz,
Interregno factício onde a erva esfria.
E o pensamento inútil se conduz

Até saber que nada vale ou pesa.
E não sei se isto me ensimesma ou alheia,
Nem sei se é alegria ou se é tristeza.

Em Busca Da Beleza V

Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que são beijos?
A vida é só o esperar morrer.

Longe da dor e longe do prazer,
Conheçamos no sono os benfazejos
Poderes únicos; sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.

C’roado de papoilas e trazendo
Artes porque com sono tira sonhos,
Venha Morfeu, que as almas envolvendo,

Faça a felicidade ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos risonhos
Só de sentirmos nada já sentir.

Quando Olho Para Mim Não Me Percebo.

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

Ah, Mas Aqui, Onde Irreais Erramos

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.

Em Busca Da Beleza IV

Leva-me longe, meu suspiro fundo,
Além do que deseja e que começa,
Lá muito longe, onde o viver se esqueça
Das formas metafísicas do mundo.

Aí que o meu sentir vago e profundo
O seu lugar exterior conheça,
Aí durma em fim, aí enfim faleça
O cintilar do espírito fecundo.

Aí… mas de que serve imaginar
Regiões onde o sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser atormentar?

É elevar demais a aspiração,
E, falhando esse sonho derradeiro,
Encontrar mais vazio o coração.