Sonetos sobre TĂ©dio de Fernando Pessoa

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Sonetos de tédio de Fernando Pessoa. Leia este e outros sonetos de Fernando Pessoa em Poetris.

Em Busca Da Beleza II

Nem defini-la, nem achĂĄ-la, a ela –
A Beleza. No mundo nĂŁo existe.
Ai de quem coma alma inda mais triste
Nos seres transitĂłrios quer colhĂȘ-la!

Acanhe-se a alma porque nĂŁo conquiste
Mais que o banal de cada cousa bela,
Ou saiba que ao ardor de querer havĂȘ-la –
À Perfeição – sĂł a desgraça assiste.

SĂł quem da vida bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não, mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;

Conhece o tédio extremo da desgraça
Que olha estupidamente o nauseabundo
Cristal inĂștil da vazia taça.

Em Busca Da Beleza VI

O sono – Oh, ilusĂŁo! – o sono? Quem
LograrĂĄ esse vĂĄcuo ao qual aspira
A alma que de aspirar em vĂŁo delira
E jå nem força para querer tem?

Que sono apetecemos? O d’alguĂ©m
Adormecido na feliz mentira
Da sonolĂȘncia vaga que nos tira
Todo o sentir na qual a dor nos vem?

IlusĂŁo tudo! Querer um sono eterno,
Um descanso, uma paz, nĂŁo Ă© senĂŁo
O Ășltimo anseio desesperado e vĂŁo.

Perdido, resta o derradeiro inferno
Do tédio intérmino, esse de jå não
Nem aspirar a ter aspiração.

Rala Cai Chuva. O Ar Não É Escuro. A Hora

Rala cai chuva. O ar nĂŁo Ă© escuro. A hora
Inclina-se na haste; e depois volta.
Que bem a fantasia se me solta!
Com que vestĂ­gios me descobre agora!

TĂ©dio dos interstĂ­cios, onde mora
A fazer de lagarto. – O muro escolta
A minha eterna angĂșstia de revolta
E esse muro sou eu e o que em mim chora.

NĂŁo digas mais, pois te ignorei cativo…
Teus olhos lembram o que querem ser,
MurmĂșrio de ĂĄguas sobre a praia, e o esquivo

Langor do poente que me faz esquecer.
Que real que Ă©s! Mas eu, que vejo e vivo,
Perco-te, e o som do mar faz-te perder.

Como uma Voz de Fonte que Cessasse

Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vĂŁos olhares
Se admiraram), p’ra alĂ©m dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce

Parou… Apareceu jĂĄ sem disfarce
De mĂșsica longĂ­nqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce…

A paisagem longĂ­nqua sĂł existe
Para haver nela um silĂȘncio em descida
P’ra o mistĂ©rio, silĂȘncio a que a hora assiste…

E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde hĂĄ a vida…
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo…

HĂĄ Um Poeta Em Mim Que Deus Me Disse

HĂĄ um poeta em mim que Deus me disse…
A Primavera esquece nos barrancos
As grinaldas que trouxe dos arrancos
Da sua efĂȘmera e espectral ledice…

Pelo prado orvalhado a meninice
Faz soar a alegria os seus tamancos…
Pobre de anseios teu ficar nos bancos
Olhando a hora como quem sorrisse…

Florir do dia a capitĂ©is de Luz…
Violinos do silĂȘncio enternecidos…
TĂ©dio onde o sĂł ter tĂ©dio nos seduz…

Minha alma beija o quadro que pintou…
Sento-me ao pé dos séculos perdidos
E cismo o seu perfil de inĂ©rcia e vĂŽo…