Sonetos sobre Tristes de Mário Quintana

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Sonetos de tristes de Mário Quintana. Leia este e outros sonetos de Mário Quintana em Poetris.

A Rua Dos Cataventos – XVII

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

A Rua Dos Cataventos – VI

Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola. . .

Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente. . .
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente. . .

Os Parceiros

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro…eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!

A Rua Dos Cataventos – XI – Para Antônio Nobre, À Maneira Do Mesmo

Contigo fiz, ainda menininho,
Todo o meu Curso d’Alma… e desce cedo
Aprendi a sofrer devagarinho,
A guardar meu amor como um segredo…

Nas minhas chagas vinhas pôr o dedo
E eu era o Triste, o Doido, o Pobrezinho!
Amava, à noite, as Luas de bruxedo,
Chamava o Pôr de Sol de Meu Padrinho…

Anto querido, esse teu livro “Só”
Encheu de luar a minha infância triste!
E ninguém mais há de ficar tão só:

Sofreste a nossa dor, como Jesus…
E nesta Costa d’África surgiste
Para ajudar-nos a levar a Cruz!…