Rústica
Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho…Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à “terra da verdade”…Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.
Sonetos sobre Verdade
85 resultadosA um Poeta
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!Mas que na forma de disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
Pedra Tumular
A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz não tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
Tão rígida e tão fria como a pedra.Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inútil por vazia,
E a língua imóvel nega o som à vida,
Por hábito ou por falta de coragem.Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um túmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.
Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminheiPor ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraísoCá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempoPor isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
Amor
A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e não olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.Depois, a vide do desejo enlaça
Numa só volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se à verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condão vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciência.E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocência.