Alma Minha Gentil, que te Partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Sonetos sobre Vida
545 resultadosA Brevidade da Vida
MANIFESTA-SE A PRÓPRIA BREVIDADE DA VIDA, SEM PENSAR E COM PADECER, ASSALTADA PELA MORTE
Foi sonho ontem: será amanhã terra;
pouco antes, nada; pouco depois, fumo;
e destino ambições, até presumo
nem um momento o cerco que me encerra.Breve combate de importuna guerra,
p’ra defender-me, sou perigo sumo;
quando com minhas armas me consumo,
menos me hospeda o corpo, que me enterra.Foi-se o ontem; amanhã é esperado;
hoie passa, e é, e foi com movimento
que me conduz à morte despenhado.Enxadas são a hora e o momento;
pagas por minha pena e meu cuidado,
cavam em meu viver meu monumento.Tradução de José Bento
Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente
Como fizeste, ó Porcia, tal ferida?
Foi voluntária, ou foi por inocência?
É que Amor fazer só quis experiência
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?E com teu próprio sangue te convida
A que faças à morte resistência?
É que costume faço da paciência,
Porque o temor morrer me não impida.Pois porque estás comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada não se sente,
E não quero eu a morte sem a pena.
Ignorado Ficasse O Meu Destino
Ignorado ficasse o meu destino
Entre pálios (e a ponte sempre à vista),
E anel concluso a chispas de ametista
A frase falha do meu póstumo hino…Florescesse em meu glabro desatino
O himeneu das escadas da conquista
Cuja preguiça, arrecadada, dista
Almas do meu impulso cristalino…Meus ócios ricos assim fossem, vilas
Pelo campo romano, e a toga traça
No meu soslaio anônimas (desgraçaA vida) curvas sob mãos intranqüilas…
E tudo sem Cleópatra teria
Findado perto de onde raia o dia…
A Uma Senhora Que Me Pediu Versos
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das alma já ressequidas.Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
Dai Me Üa Lei, Senhora, De Querer Vos
Dai me üa lei, Senhora, de querer vos,
que a guarde, sô pena de enojar vos;
que a fé que me obriga a tanto amar vos
fará que fique em lei de obedecer vos.Tudo me defendei, senão só ver vos,
e dentro na minh’alma contemplar vos;
que, se assi não chegar a contentar vos,
ao menos que não chegue [a] aborrecer vos.E, se essa condição cruel e esquiva,
que me dois lei de vida não consente,
dai ma, Senhora, já, seja de morte.Se nem essa me dais, é bem que viva,
sem saber como vivo, tristemente,
mas contente porém de minha sorte.
Enlevo
Porque esse olhar de sombra de temor
Se perde em mim, às horas do sol posto,
Quando é de âmbar translúcido o teu rosto,
E a tua alma desmaia como flor;Porque essas mãos, ardidas de fervor,
Ampararam minha vida de desgosto,
Pobre que sou, Mulher, eu hei composto
Harmonias de prece em teu louvor!Dei-te a minha alma para ti nascida,
Meus versos que são mais que a minha vida;
Por Deus, perdoa ao mísero mendigo!Perdoa a quem, ansioso de outro mundo,
Implora à Morte o sono mais profundo,
Só pela graça de sonhar contigo!
Diz-me, Amor, como Te Sou Querida
Diz-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
Mãe E Filho
Às mães desamparadas
Jesus, meu filho, o encanto das crianças,
Quando na cruz, de angustia espedaçado,
Em sangue casto e límpido banhado,
Manso, tão manso como as pombas mansas;Embora as duras e afiadas lanças
Com que os judeus, tinham, de lado a lado,
Seu coração puríssimo varado,
Inda no olhar raiavam-lhe esperanças.Por isso, ó filho, ó meu amor — se a esmola
De algum conforto essencial não rola
Por nós — é forca conduzir a cruz!…Mas, volta ó filho, pesaroso e triste.
Se a nossa vida só na dor consiste,
Ah! minha mãe, por que morreu Jesus?…
Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist’rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!…“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”
In Memoriam
Ao meu morto querido
Na cidade de Assis, “il Poverello”
santo, três vezes santo, andou pregando
Que o Sol, a Terra, a flor, o rocio brando,
Da pobreza o tristíssimo flagelo,Tudo quanto há de vil, quanto há de belo,
Tudo era nosso irmão! — E assim sonhando,
Pelas estradas da Umbra foi forjando
Da cadeia do amor o maior elo!“Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã Água…”
Ah! Poverello! Em mim, essa lição
Perdeu-se como vela em mar de mágoaBatida por furiosos vendavais!
— Eu fui na vida a irmã de um só Irmão,
E já não sou a irmã de ninguém mais!
Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado
Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razão da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que só nesta caverna encontro abrigo,
Porque não busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, é ela que do céu me brada:
Oh terrível pregão da eternidade!
A Um Moribundo
Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono…A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono…O que há depois? Depois?… O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?Que importa? Que te importa, ó moribundo?
– Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!…
Luz entre Sombras
É noite medonha e escura,
Muda como o passamento*
Uma só no firmamento
Trêmula estrela fulgura.Fala aos ecos da espessura
A chorosa harpa do vento,
E num canto sonolento
Entre as árvores murmura.Noite que assombra a memória,
Noite que os medos convida,
Erma, triste, merencória.No entanto…minha alma olvida
Dor que se transforma em glória,
Morte que se rompe em vida.
À Memória De Uma Ave
Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avesinha querida
Se extingue como um clarão.Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.
Sonhei, Confuso, E O Sono Foi Disperso
Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
Mas, quando despertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos sãoObscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida.
Caput Immortale
Na dinâmica aziaga das descidas,
Aglomeradamente e em turbilhão
Solucem dentro do Universo ancião,
Todas as urbes siderais vencidas!Morra o éter. Cesse a luz. Parem as vidas,
Sobre a pancosmológica exaustão
Reste apenas o acervo árido e vão
Das muscularidades consumidas!Ainda assim, a animar o cosmos ermo,
Morto o comércio físico nefando,
Oh! Nauta aflito do Subliminal,Como a última expressão da Dor sem termo,
Tua cabeça há de ficar vibrando
Na negatividade universal!
O Meu Desejo
Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua…
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus…
Minha boca tem fome só da tua!
Meus olhos têm sede só dos teus!Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo…Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, amor, devagarinho,
Até a Morte me levar consigo…
Acontecimento Do Soneto
À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeirosversos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.
Quando O Sol Encoberto Vai Mostrando
Quando o Sol encoberto vai mostrando
ao mundo a luz quieta e duvidosa,
ao longo de üa praia deleitosa,
vou na minha inimiga imaginando.Aqui a vi, os cabelos concertando;
ali, co a mão na face tão fermosa;
aqui, falando alegre, ali cuidosa;
agora estando queda, agora andando.aqui esteve sentada, ali me viu,
erguendo aqueles olhos tão isentos;
aqui movida um pouco, ali segura;qui se entristeceu, ali se riu;
enfim, nestes cansados pensamentos
passo esta vida vã, que sempre dura.