MemĂłria doutro Rio
São muito vastas as noites de insónia, quase sempre atravessadas por um rio. Quando não chove, confusamente dispo-me atrás dos amieiros e abandono-me à corrente. Sigo para o sul, que é para onde correm todos os rios, pelo menos os meus.
Um dia, numa lĂngua de areia, avistei dois corpos que se penetravam exasperados. Fiquei aterrado: primeiro pensei que ele a estava a matar, a seguir que ambos estivessem a morrer, sĂł depois percebi o que se passava, e o meu prĂłprio corpo se exasperou. Quando acabaram, a mulher chorava e o homem quase lhe mijava em cima. Afastaram-se cada um para seu lado, sem trocarem palavra.
Contei o que vira a um pastor que encontrei mais abaixo. Pouco mais velho era do que eu, mas mostrou-me como o prazer não tem forçosamente que ver com a culpa.
Textos sobre Areia de Eugénio de Andrade
3 resultadosAs Nuvens
Hei-de aprender um ofĂcio de que goste, há tĂŁo poucos, talvez carpinteiro, ou pedreiro. Construiria uma casa neste chĂŁo de areia com pedras hĂşmidas, lisas ou cheias de limos, frias, sĂŁo tĂŁo bonitas, com seus veios cruzando-se, ou afastando-se de costas uns para os outros. Havia de meter-me por esses miĂşdos caminhos de chibas para ver, ao fim da tarde, chegar os saltimbancos em toda a sua glĂłria, que me apontam as nuvens lentas, muito brancas, afastando-se.
Fábula
Estavam ali diante dos meus olhos: era terrĂvel e ao mesmo tempo fascinante.
Ao princĂpio pensei que ele a estava a matar, logo a seguir percebi que nĂŁo, que talvez ambos estivessem a morrer, sĂł depois qualquer apelo distante se fez carne em mim. EntĂŁo todo eu fiquei amarrado aos seus gestos, Ă quela respiração fatigada e difĂcil, Ă quele balbucio que lhes saĂa ralo da boca.
Os seio de Maria caĂam nus da blusa. Uma das mĂŁos do carpinteiro perdia-se nos seus cabelos emaranhados, a outra parecia ter-se enterrado na areia. O resto era aquele corpo todo dè homem: rĂgido e fremente, ao mesmo tempo, Ă força de concentrar todo o Ămpeto nas nádegas, arco de onde a flecha partia, para se cravar exasperada nas entranhas da rapariga. Parecia um cavalo ofegante — os olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espa-lhando-se pelas costas, pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo o cĂ©u branco de agosto. Mas a terra chamou-o, e um relincho prolongado encheu o leito do ribeiro, morreu no alto dos amieiros. Por fim a paz desceu ao mundo.
Maria olhava o carpinteiro com olhos rasos de espanto, como quem tivesse perdido tudo naquele instante.