Felicidade e Virtude
Como, ao que parece, há muitos fins e podemos buscar alguns em vista de outros: por exemplo, a riqueza, a música, a arte da flauta e, em geral, todos aqueles fins que podem denominar-se instrumentos, é evidente que nenhum desses fins é perfeito e definitivo por si mesmo. Mas o sumo bem deve ser coisa perfeita e definitiva. Por conseguinte, se existe uma só e única coisa que seja definitiva e perfeita, ela é precisamente o bem que procuramos; e se há muitas coisas deste género, a mais definitiva entre elas será o bem. Mas, em nosso entender, o bem que apenas deve buscar-se por si mesmo é mais definitivo que aquele que se procura em vista de outro bem; e o bem que não deve buscar-se nunca com vista noutro bem é mais definitivo que os bens que se buscam ao mesmo tempo por si mesmos e por causa desse bem superior; numa palavra, o perfeito, o definitivo, o completo, é o que é eternamente apetecível em si, e que nunca o é em vista de um objecto distinto dele.
Eis aí precisamente o carácter que parece ter a felicidade; buscamo-la por ela e só por ela, e nunca com mira em outra coisa.
Textos de Aristóteles
18 resultadosSer Devasso é Pior do que não Ter Domínio de Si
Uma vez que alguns prazeres são necessários e outros não são, e são necessários apenas até certo ponto, sem admitir excesso nem defeito, e uma vez que o mesmo se passa com os desejos e os sofrimentos necessários, – devasso é quem persegue o excesso no prazer ou prazeres excessivos, e, na verdade, quando os persegue por decisão própria em vista do excesso e não de qualquer outra consequência daí resultante. É forçoso que alguém deste género não tenha nenhuma disposição natural para se arrepender do que faz, de tal sorte que é incurável. Pois, na verdade, quem for capaz de se arrepender pode ser curado. Quem não sente falta nenhuma [destes prazeres] é o oposto do devasso. Mas quem se encontrava na disposição intermédia é temperado. De modo semelhante [devasso] é também quem foge aos sofrimentos do corpo [causados pela insatisfação do desejo], não por lhes sucumbir, mas por uma decisão tomada pelo próprio.
Há também os que não chegam a tomar nenhuma decisão. Estes são obrigados a perseguir o prazer, e a procurar escapar ao sofrimento causado pelo desejo insatisfeito. Há assim diferenças entre esses dois modos de ceder ao prazer ora por uma decisão tomada ou sem decisão prévia.
Prazer Convicto ou sem Domínio
Quem age em vista do prazer e o persegue, por convicção e decisão, parece ser melhor do que quem não age por cálculo, mas por falta de domínio. Ou seja, o primeiro parece poder ser mais facilmente corrigido, porque pode ser convencido a alterar as suas convicções. Na verdade, o provérbio: «Se a água é capaz de sufocar, porque a bebemos?» parece poder aplicar-se a quem não se domina.
Se alguém age por ter sido convencido a fazer o que faz, deixará de o fazer se for convencido de outro modo. Contudo, estando ele agora convencido de que deve fazer uma coisa, ainda assim fará uma coisa diferente. Ainda, se perda de domínio e o autodomínio podem ser ditos a respeito de tudo na existência, quem é que existe com uma absoluta falta de domínio? Porque ninguém perde o domínio a respeito de tudo. Contudo, dizemos de alguns que têm uma falta de domínio absoluta.
A Suprema Vantagem do Homem sobre todos os Seres
Foi para o ser capaz de adquirir o maior número de artes que a natureza deu a ferramenta que é, de longe, a mais útil: a mão. E os que pretendem que o homem, longe de ser bem constituído, é o mais mal munido dos animais – dizem, na verdade, que ele nada tem nos pés, que é nu e não possui armas para a luta – estão errados: ou outros, de facto, dispõem de um único recurso que não podem trocar por um outro, e precisam, por assim dizer, de permanecer calçados para dormir ou para fazer tudo, jamais podem tirar a armadura que têm ao redor do corpo e jamais conseguem trocar a arma de que foram dotados pelo destino; o homem, pelo contrário, dispõe de múltiplos meios de defesa e tem sempre a possibilidade de trocá-los, assim como pode possuir a arma que deseja e no momento que deseja. A mão, de facto, torna-se garras, presas ou chifres, e também pega na lança, na espada, ou e qualquer outra arma ou ferramenta, e ela é tudo isso porque pode pegar e segurar tudo.
Coragem Ilusória
Há cinco espécies de coragem, assim denominadas segundo a semelhança: suportam as mesmas coisas, mas não pelos mesmos motivos. Uma é a coragem política: provém da vergonha; a segunda é própria dos soldados: nasce da experiência e do facto de conhecer, não – como dizia Sócrates – os perigos, mas os recursos contra eles; a terceira brota da falta de experiência e da ignorância, e por ela são induzidas as crianças e os loucos, estes quando enfrentam a fúria dos elementos, aquelas quando pegam em serpentes. Outra espécie é a de quem tem esperança: graças a ela, arrostam os perigos aqueles que, muitas vezes, tiveram sorte (…) e os ébrios; o vinho, de facto, excita a confiança.
Outra ainda dimana da paixão irracional, por exemplo, do amor e da ira.
Se alguém está enamorado, é mais temerário que cobarde e enfrenta muitos perigos, como aquele que no Metaponto matou o tirano, ou o cretense de que fala a lenda; o mesmo se passa com a cólera e com a ira. Pois a ira é capaz de nos pôr fora de nós. Por isso, se afiguram também corajosos os javalis, embora não sejam; quando fora de si, têm uma qualidade semelhante,
Moral Divina
Não se deve escutar as pessoas que nos aconselham, sob o pretexto de que somos homens, de só pensar nas coisas humanas e, sob pretexto de que somos mortais, de renunciar às coisas imortais. Mas, na medida do possível, devemos tornar-nos imortais e tudo fazer para viver conforme à parte mais excelente de nós mesmos, pois o princípio divino, por mais fraco que seja pelas suas dimensões, prevalece, e muito, sobre qualquer outra coisa pelo seu poder e pelo seu valor.
O Homem Magnânimo
O homem magnânimo deseja ocupar-se de poucas coisas, e estas têm de ser verdadeiramente grandes aos seus próprios olhos, e não porque outros assim pensem. Para o homem dotado de uma alma grande, a opinião solitária de um único homem bom conta mais que a opinião de uma multidão. Foi o que disse Antífon, após a sua condenação, quando Agatão o cumprimentou pelo brilho de sua autodefesa.
As Uniões Necessárias
A primeira união necessária é a de dois seres que são incapazes de existir um sem o outro: é o caso do macho e da fêmea tendo em vista a procriação (e essa união nada tem de arbitrária, mas como nas outras espécies animais e nas plantas, trata-se de uma tendência natural a deixar atrás de si um outro ser semelhante); é ainda a união daquele cuja natureza é comandar com aquele cuja natureza é ser comandado, tendo em vista a sua conservação comum.
Felicidade é Capacidade de Contemplação
Quanto mais se desenvolve a nossa faculdade de contemplar, mais se desenvolvem as nossas possibilidades de felicidade, e não por acidente, mas justamente em virtude da natureza da contemplação. Esta é preciosa por ela mesma, de modo que a felicidade, poderíamos dizer, é uma espécie de contemplação.
O Estado como Suporte para uma Vida Feliz
Os homens não se associam tendo em vista apenas a existência material, mas, antes, a vida feliz, pois, se fosse de outra forma, uma colectividade de escravos ou de animais seria um Estado, quando, na realidade, isto é uma coisa impossível, porque esses seres não têm qualquer participação na felicidade, nem na vida fundamentada em uma vontade livre.
Decisão, Desejo e Acção
A decisão é, na verdade, o que de mais próprio concerne a excelência e é melhor do que as próprias acções no que respeita à avaliação dos carácteres humanos. A decisão parece, pois, ser voluntária. Decidir e agir voluntariamente não é, contudo, a mesma coisa, pois, a acção voluntária é um fenómeno mais abrangente. É por essa razão que ainda que tanto as crianças como os outros seres vivos possam participar na acção voluntária, não podem, contudo, participar na decisão. Também dizemos que as acções voluntárias dão-se subitamente, mas não assim de acordo com uma decisão.
Os que dizem que a decisão é um desejo, ou uma afecção, ou anseio, ou uma certa opinião, não parecem dizê-lo correctamente, porque os animais irracionais não tomam parte nela. Por outro lado, quem não tem autodomínio age cedendo ao desejo, e, desse modo, não age de acordo com uma decisão. Finalmente, quem tem autodomínio age, ao tomar uma decisão, mas não age, ao sentir um desejo.
Um desejo pode opor-se a uma decisão, mas já não poderá opor-se a um outro desejo. O desejo tem em vista o que é agradável e o que é desagradável. A decisão, contudo, não é feita em vista do desagradável nem do agradável.
O Mau Também Pode Ser um Bom Amigo
É possível que os maus sejam entre si prazenteiros, não enquanto maus ou nem bons nem maus, mas enquanto, por exemplo, ambos são músicos, ou um é melómano e o outro cantor; e enquanto todos têm algo de bom e nisto se harmonizam entre si poderão, ademais, ser reciprocamente úteis e prestáveis, não em sentido absoluto, mas em vista da sua escolha, ou enquanto não são nem bons nem maus. É igualmente possível a um homem de bem ter um amigo medíocre; cada qual pode, de facto, ser útil ao outro em vista da escolha, o medíocre pode apoiar utilmente o projecto do bom, e este último pode secundar com utilidade o projecto do incontinente e do mau em conformidade com a sua natureza; e desejará para o outro as coisas boas: em sentido absoluto as coisas absolutamente boas e, de modo condicional, os bens que são tais para aquele, enquanto o ajudam na pobreza ou nas enfermidades, e estes em vista dos bens absolutos: como, por exemplo, tomar um remédio; não o quer, de facto, por si mesmo, mas em vista deste fim determinado.
Além disso, [o bom pode ser amigo do medíocre] naqueles modos em que também os não bons seriam entre si amigos.
A Felicidade depende do Destino ou Carácter de cada um
Todos os homens aspiram à vida feliz e à felicidade, esta é uma coisa manifesta; mas, se muitos têm a possibilidade de alcançá-la, outros não a têm em virtude de algum azar ou vício de natureza (pois a vida feliz requer um certo acompanhamento de bens externos, em quantidade menor para os indivíduos dotados de melhores disposições e em quantidade maior para aqueles cujas disposições são piores), e outros, finalmente, tendo a possibilidade de ser felizes, imprimem desde o início uma direcção errada na sua busca da felicidade.
Da Poesia e da Tragédia
Parece que a poesia tem inteiramente a sua origem em duas causas, ambas naturais. Porque a imitação é natural ao homem desde a infância, e nisto difere dos outros animais, pois que ele é o mais imitador de todos, aprende as primeiras coisas por meio da imitação, e todos se deleitam com as imitações. É prova disto o que acontece a respeito dos artífices, porque nós contemplamos com prazer as imagens mais exactas daqueles mesmos objectos para que olhamos com repugnância; por exemplo, a representação de animais ferocíssimos e de cadáveres. E a razão disto é porque o aprender é coisa que muito apraz não só aos filósofos, mas também igualmente aos demais homens, posto que estes sejam menos instruídos. Por isso se alegram de ver as imagens, pois que, olhando para elas, podem aprender e discorrer o que uma delas é e dizer, por exemplo: isto é tal; porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, não recebe então prazer da imitação, mas ou da beleza da obra, ou das cores, ou de outro algum motivo semelhante.
Sendo, pois, própria da nossa natureza a imitação, também o é a harmonia e o ritmo (porque é claro que os metros são parte do ritmo).
Sem Amigos Ninguém Escolheria Viver
Sem amigos ninguém escolheria viver, mesmo que possuísse todos os demais bens; considera-se que até os homens ricos e aqueles que ocupam altos cargos e posições de autoridade precisam de amigos, ainda mais que todos, pois qual é a utilidade de tal prosperidade sem a oportunidade da beneficiência, exercida principalmente, e do modo mais louvável, em relação aos amigos? (…) Porém a amizade não é apenas útil, ela também é nobre; pois elogiamos aqueles que amam os seus amigos e ter muitos amigos é considerado algo valioso; pensamos que são as mesmas pessoas que são homens bons e são amigos.
A Indagação das Causas e dos Princípios
Visto que esta ciência (a filosofia) é o objecto das nossas indagações, examinemos de que causas e de que princípios se ocupa a filosofia como ciência; questão que se tomará muito mais clara se examinarmos as diversas ideias que formamos do filósofo. Em primeiro lugar, concebemos o filósofo principalmente como conhecedor do conjunto das coisas, enquanto é possível, sem contudo possuir a ciência de cada uma delas em particular. Em seguida, àquele que pode alcançar o conhecimento de coisas difíceis, aquelas a que só se chega vencendo graves dificuldades, não lhe chamaremos filósofo? De facto, conhecer pelos sentidos é uma faculdade comum a todos, e um conhecimento que se adquire sem esforço em nada tem de filosófico. Finalmente, o que tem as mais rigorosas noções das causas, e que melhor ensina estas noções, é mais filósofo do que todos os outros em todas as ciências. E, entre as ciências, aquela que se procura por si mesma, só pelo anseio do saber, é mais filosófica do que a que se estuda pelos seus resultados; assim como a que domina as mais é mais filosófica do que a que se encontra subordinada a qualquer outra. Não, o filósofo não deve receber leis,
A Ira
O que se irrita justificadamente nas situações em que se deve irritar ou com as pessoas com as quais se deve irritar, e ainda da maneira como deve ser, quando deve ser e durante o tempo em que deve ser, é geralmente louvado. Quem assim for é gentil, se é que a gentileza é uma disposição louvada. Porque o gentil quer permanecer imperturbável e não quer ser levado pela emoção, e apenas o sentido orientador lhe poderá prescrever as situações em que deve irritar-se e durante quanto tempo. Ou seja, o gentil parece pecar mais por defeito, porque não é do tipo vingativo mas mais do género que perdoa.
O defeito, seja uma certa fleuma seja o que for, é repreendido. Os que não se irritam quando têm motivo parecem parvos, o mesmo quando não se irritam de modo correcto, nem quando devem, nem com aqueles que devem. Parece até que não sentem a injúria ou não sofrem com ela. Mas se não se irritarem não conseguem defender-se, e aguentar um insulto ou tolerar os insultos feitos a terceiros é uma característica de subserviência.
Há excessos a respeito de todos os elementos circunstanciais envolvidos num acesso de ira (seja por se dirigir contra as pessoas indevidas,
Amizade Condicionada
A amizade é menos frequente entre pessoas azedas e entre os mais velhos, porque quanto pior for o feitio das pessoas, menor é o prazer que têm no convívio. Ora o bom feitio e o convívio social são marcas de amizade e motivos criadores de amizade. Por este motivo, os jovens depressa se tornam amigos, os velhos, não. É que não se podem tornar amigos daqueles na presença dos quais não sentem prazer; de modo semelhante se passa com os que estão sempre mal dispostos. Estes também podem ser benevolentes entre si porque desejam o bem ao outro e vão ao encontro das necessidades do outro. Contudo, não são completamente amigos uma vez que não passam juntos o dia nem sentem prazer na companhia um do outro, coisas que parecem ser marcas distintivas de amizade.
Agora, parece que não é possível ser-se amigo de muitas pessoas, pelo menos no sentido pleno da amizade, do mesmo modo que não é possível amar ao mesmo tempo muitas pessoas (tal parece que, na realidade, seria excessivo; e o amor costuma nascer naturalmente em relação a uma única pessoa), porque não é fácil de agradar de modo totalmente satisfatório a muitos ao mesmo tempo.