Textos sobre Discrição de Vergílio Ferreira

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Textos de discrição de Vergílio Ferreira. Leia este e outros textos de Vergílio Ferreira em Poetris.

Ser Marginal

Ser marginal. Não ser fora-da-lei por desprezo da norma comum. Por amoralidade, miserabilismo, ou abjecção. Ser apenas do lado da vida em que não passa muita gente, se é quase anónimo, fora do alvo que é visado pela notoriedade, curiosidade pública, grande reputação. Ser em humildade, na discrição de nós, na curta dimensão de nós. Não é por comodismo, orgulhosa modéstia, ressentimento. Não por nada disso ou outras coisas disso, mas só para nos não perdermos de nós, não nos esbanjarmos na invasão da dissipação alheia. Não por nada disso mas só pela economia do pouco que nos pertence e mal dá para abastecer uma vida. Ser marginal – sê marginal. Afecta a ti próprio o espaço que é para ti e para ti te foi dado. Na intimidade de ti, na reserva de ti, na pobreza de ti. O mais que viesse e te invadisse o teu espaço, que é que te dava? A ampliação do teu rumor na amplificação alheia dele, seria alheio e não teu. A tua voz é breve, não a amplies ao que não é. E o teu pensar, o teu sentir, o teu ser. Não os sejas mais do que és. E então verdadeiramente serás.

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A Coragem da Resignação

A palavra «resignação» não tem boa reputação. Lembra atitude devota, passividade, lágrima ao canto do olho. E todavia, não é isso. Em face dos limites de uma condição, da morte e do nada que vem nela, que outro nome dar à aceitação calma, à fria impassibili­dade? A revolta em tal caso pode falar ao nosso orgulho, à imagem de grandeza que queiramos se tenha de nós. Mas é uma imagem ridícula. Ela responde ainda, não ao reconhecimento do que nos espera, mas a uma notícia recente e não assimilada que disso nos dessem. A coragem não está na atitude espectacular, mas na serena e recolhida e modesta aceitação. Temos assim tendência a julgar herói o que enfrenta a morte com atitudes de grandiosidade, não o que a enfrenta no seu recanto, em silêncio e discrição. Mas o espec­táculo é ainda uma forma de compensar o desastre da morte — é ainda uma forma de uma parcela de nós se recusar a morrer. Quem morre resignado morre todo por inteiro, nada ele assim recusa do que a morte lhe exige.