Textos sobre Excesso de VergĂ­lio Ferreira

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Textos de excesso de VergĂ­lio Ferreira. Leia este e outros textos de VergĂ­lio Ferreira em Poetris.

A Verdade Ă© Amor

A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista. Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em. razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a política, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no ódio, que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade.

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A Destruição de Tudo

É a palavra de ordem para o homem de hoje. Destruir. Tudo. Os deuses, as artes, diferenças culturais, ou a sĂł cultura, diferenças sexuais, diferenças literárias ou a sĂł literatura que leva hoje tudo, valores de qualquer espĂ©cie, filosofias, o simples pensamento, a simples palavra – tudo alegremente ao caixote. Entretanto, ou por isso, proliferação das gentes com a forma que lhes pertence, devastação da sida, que foi o que de melhor a natureza arranjou para equilibrar a demografia, droga dura para se avançar na vida mais depressa, criminalidade para esse avanço, juventude de esgotos nocturnos, velhos em excesso e que nĂŁo há maneira de se despacharem e atulham os chamados lares de idosos ou simplesmente os depĂłsitos em que sĂŁo largados atĂ© mudarem de cemitĂ©rio, politiqueiros que tĂŞm a verdade do erro que se segue e o mais e o mais. É tempo de cair um pedregulho como o que acabou com os dinossauros há sessenta milhões de anos e de poder dar-se a hipĂłtese de a vida recomeçar. AtĂ© que venha outra vez a destruição e Deus definitivamente se farte do brinquedo. Entretanto vĂŞ se vĂŞs ainda alguma flor ao natural e demora-te um pouco a admirar-lhe a beleza e estupidez.

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A Primeira Palavra que em Toda a Minha Vida me Esgotou o Ser

Uma palavra. Disse-a. Amo-te – uma palavra breve. Quantos milhões de palavras eu disse durante a vida. E ouvi. E pensei. Tudo se desfez. Palavras sem inteira significação em si, o professor devia ter razĂŁo. Palavras que remetiam umas para as outras e se encostavam umas Ă s outras para se aguentarem na sua rede aĂ©rea de sons. Mas houve uma palavra – meu Deus. Uma palavra que eu disse e repercutiu em ti, palavra cheia, quente de sangue, palavra vinda das vĂ­sceras, da minha vida inteira, do universo que nela se conglomerava, palavra total. Todas as outras palavras estavam a mais e dispensavam-se e eram uma articulação ridĂ­cula de sons e mobilizavam apenas a parte mecânica de mim, a parte frágil e vĂŁ. Palavra absoluta no entendimento profundo do meu olhar no teu, palavra infinita como o verbo divino. Recordo-a agora – onde está? Como se desfez? Ou nĂŁo desfez mas se alterou e resfriou e absorveu apenas a fracção de mim onde estava a ternura triste, o conforto humilde, a compaixĂŁo. NĂŁo haverá entĂŁo uma palavra que perdure e me exprima todo para a vida inteira? E nĂŁo deixe de mim um recanto oculto que nĂŁo venha Ă  sua chamada e vibre nela desde os mais finos filamentos de si?

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